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Terceiro Tempo

"Football, bloody hell!" – Sir Alex Ferguson (1999, após a conquista da Champions League)

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"Football, bloody hell!" – Sir Alex Ferguson (1999, após a conquista da Champions League)

Seg | 27.09.21

Kalusha Bwalya, o abelha-negra do futebol zambiano

O ano é 1988 e o cenário desta epopeia são os Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul. Em 19 de setembro, o Mundo conheceu o talento de Kalusha Bwalya, zambiano,  nascido em 16/08/1963, na cidade de Mufulira, e que fez um hattrick diante da sempre poderosa Itália, na vitória por 4-0 nos Jogos Olímpicos, numa das maiores atuações individuais de um jogador africano da história. A Zâmbia acabaria eliminada, apenas nos quartos-de-final, pela então Alemanha Ocidental (derrota por 4 -0), mas o seu nome já estava escrito na história.

Começou muito cedo a dar nas vistas na Zâmbia, atuando pelo clube da sua cidade, o Mufulira Blackpool. No ano seguinte, ele transferiu-se para o outro clube local, o Mufulira, aonde ficou por cinco anos, conseguindo destacar-se no futebol local e sendo convocado para a Seleção de Zâmbia pela primeira vez em 1983. Seria uma questão de tempo até dar o salto para o futebol europeu devido à sua qualidade ser francamente superior aos dos demais colegas.

Essa vinda para a Europa aconteceu em 1985, quando o Cercle Brugge, clube belga, abriu as portas ao astro zambiano. O que dizer sobre a sua ida para a Bélgica? A melhor resposta é dizer que triunfou categoricamente! , Foi ídolo para a torcida, tendo-se tornado o melhor marcador do clube na sua primeira temporada, além de receber o prêmio de melhor atacante do Campeonato Belga por duas vezes consecutivas. Ao fim de quatro épocas na Bélgica, estava na hora de rumar a um campeonato mais exigente, com uma maior qualidade futebolística e eis que o "abelha-negra" assina pelo PSV, clube holandês.

Na Holanda, Bwalya não teve o mesmo protagonismo que teria nos clubes anteriores. Também seria difícil, estamos a falar de um dos melhores conjuntos do PSV de toda a sua história com Romário, um dos melhores jogadores brasileiros de sempre, a ser a principal figura da equipa. Ainda assim, não sendo titular indiscutível, isso não preocupou o zambiano que ficou considerado como uma espécie de "suplente de luxo". Apesar de ser reserva e ciente do seu espaço no clube, Kalusha atuou por 101 vezes e marcou 25 gols pelos holandeses, no qual sagrou-se campeão nacional nas temporadas de 1990/1991 e 1991/1992.

Neste período de futebol holandês, coincidiu também com o pior momento de sempre do futebol zambiano, que ainda hoje é difícil de ser recordado por Bwalya. A Zâmbia, como também já referimos na publicação sobre Chitalu, era uma potência emergente no continente africano com grandes aspirações a conseguir disputar um Mundial e Kalusha era o líder e capitão de uma geração talentosa, mas no dia 27 de abril de 1993, o grande ídolo teve que se deparar com uma tragédia que vitimou toda a delegação de Zâmbia que rumava para Dakar para enfrentar Senegal pelas eliminatórios para a Campeonato do Mundo de 1994, num dos maiores desastres aéreos relacionados com o desporto em geral. O avião zambiano caiu a 500 metros de Libreville, capital do Gabão, após escala rumo ao Senegal e Kalusha só escapou porque o PSV havia feito um acordo com a Associação de Futebol de Zâmbia para que o jogador viajasse direto de Eindhoven para Dakar, onde iria encontrar-se com seus companheiros. 

O atacante foi peça fundamental, pela sua liderança, numa seleção totalmente reformulada e que viria a terminar aquelas Eliminatórias, no segundo lugar, apenas um ponto atrás do classificado Marrocos. Em 1994, Kalu, como também era carinhosamente tratado, estava presente, liderando a seleção nacional no vice-campeonato da CAN, realizada na Tunísia, com a equipe sendo derrotada pela fortíssima Nigéria. Dois anos depois, Zâmbia terminou na terceira colocação da CAN, com Kalusha sendo o artilheiro da competição com cinco golos

Voltando para os clubes, sabendo que estaria a perder cada vez mais o seu espaço na Holanda, Bwalya toda uma decisão... surpreendente. Em 1995, aos 31 anos, rumou ao futebol mexicano onde permanceu durante 6 temporadas e todas elas sempre em bom nível. Primeiro assinou pelo América da Cidade do México. No clube auri-azul, Kalusha foi ídolo e atuou em 88 jogos, marcando 21 gols. Em 1997, foi para o Necaxa, onde sofreu com algumas lesões que o impediram de chegar à sua melhor forma, atuando apenas em 17 jogos e marcando somente um golo. Depois foi passando de clube em clube mexicano até ao término da sua carreira no ano de 2000 quando se transferiu-se para o Correcaminos, seu último clube. No futebol mexicano, sempre foi querido por todos os lugares por onde passou e, segundo o próprio jogador, ele é um “africano com alma mexicana”, tamanho o carinho que o mesmo nutre pelo país azteca. Um dos feitos pessoais de Kalusha atuando em terras mexicanas ocorreu em 1996, quando foi eleito o décimo segundo melhor jogador de futebol do mundo pela FIFA, sendo que ele, Kalusha, foi o único jogador relacionado a estar atuando fora do continente europeu. Histórico!

A sua história ainda não termina por aqui, sempre com a postura de liderança, Kalusha Bwalya assumiu o comando técnico da Seleção Zambiana em 2003, exercendo a dupla função de treinador e jogador. Em 2004, um momento singelo na carreira do maior jogador de Zâmbia de todos os tempos: durante um jogo das Eliminatórias para a Copa do Mundo/Alemanha-2006, contra a Libéria, então com 41 anos de idade, Kalusha saiu do banco para dar a vitória à sua seleção e levar uma multidão fanática ao êxtase. Este foi seu 100º jogo e seu 50º gol pela Seleção. Em 2006, após 36 jogos, o atacante saiu do comando técnico da seleção nacional.

Kalusha Bwalya, abelha-negra ou simplesmente Kalu, ficará para sempre ligado à história do futebol zambiano. Um avançado destemido, muito combativo que só não conseguiu brilhar mais com a sua seleção devido àquele trágico acontecimento. Ainda assim, Kalu não virou a cara à luta e esteve sempre presente para ajudar a melhorar o futebol naquele país. Atualmente, o futebol zambiano vive uma clara escassez de talento como outrora teve, sendo pouco os jogadores que jogam no futebol europeu e nenhum que esteja numa grande equipa. O acontecimento destruiu a maior geração da história da Zambia e até aos dias de hoje ainda não foi possível recuperar.