Godfrey Chitalu, a trágica morte do melhor jogador zambiano da história
O futebol zambiano nunca teve jogadores de destaque nos principais campeonatos europeus. Godfrey Chitalu é o mais próximo de Deus que existe para os adeptos da Zâmbia. Quem o viu jogar, diz que era um jogador incrível mas que dedicou todo o seu futebol ao seu país, à Zâmbia. Existe mesmo quem diga que o recorde de melhor marcador num ano civil e não de Messi. Os muitos títulos, golos e assistências valem um lugar na história do futebol zambiano, sendo considerado o melhor jogador de sempre daquele país. Infelizmente O Rei do Golo, como era carinhosamente chamado, teve (e mais alguns jogadores e dirigentes) um trágico desfecho.
Godfrey Chitaly nasceu a 22 de outubro de 1947 na Rodésia do Norte, que mais tarde passou a chegar chamado de Federação da Rodésia e Niassalândia e, por fim, em 1964, com a proclamação da independência, tornou-se Zâmbia para nunca mais mudar.
Não se sabe bem ao certo, mas diz-se que nos primeiros anos da década de 1960, Godfrey Chitalu juntava-se aos Roan United tornando-se profissional nesse clube. Em 1967, transferiu-se para o Kitwe United e protagonizou o início de uma carreira marcada por impulsos. Dono de uma forte personalidade e com um temperamento explosivo, era um jogador com graves problemas disciplinares e metade da temporada de 1969 suspenso devido às entradas violentas sobre os jogadores adversários. Numa dessas jogadas é expulso e inconformado, recusou-se a sair das quatros linhas e teve de ser acompanhado pelo corpo de intervenção. Acabou suspenso pelo resto da temporada. Ele era explosivo e muito temperamental, especialmente quando começou a carreira. Por outro lado, não há registos de que tinha um comportamento condenável fora de campo.
O resultado? Na temporada seguinte, a aura de goleador já era reconhecida em Chitalu. Em 1968, segundo o As, apontou um total de 81 golos.
Eu era criança quando vi Chitalu jogar. Ele era ambidestro e tinha um bom chute de fora da área. Também era muito rápido e driblava os defensores com facilidade. E, fisicamente, era tão forte quanto Pelé
Andrew Kamanga, atual presidente do Kabwe Warriors
A alcunha de Rei do Golo era cada vez mais comum, ficou no Kitwe United até ao final da década de 1960. Em 1971, assina pelo Kabwe Warrios, o seu clube do coração, para nunca mais sair. Os valores da transferência foram um recorde para a altura e para a realidade do futebol zambiano. Mas obviamente, tratando-se de Godfrey, a transferência teria de envolver alguma polémica, isto porque o seu antigo clube não o quis libertar, e a transferência só foi concluída com a intervenção da federação.
O avançado, também conhecido pelo apelido de Ucar, que é uma analogia com uma bateria (pilha) e foi dado pelo radialista Dennis Liwewe, que afirmou ao longo de uma transmissão que Chitalu estava "super carregado como uma bateria Ucar". O apelido caiu no gosto dos adeptos e também do próprio Godfrey Chitalu, que adotou o mesmo. Com cada vez maior popularidade no seio do seu país isso também se catapultou para a política.. No auge de Chitalu, o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, impediu o jogador de se transferir para clubes estrangeiros, afirmando que o atleta era um tesouro nacional no qual os futuros jogadores zambianos deveriam-se inspirar para um dia ser como ele.
A influência de Chitalu era tanta que inspirou muitos jovens do país. Além do caso das baterias UCAR e do presidente, ele também teve um LP, intitulado “Godfrey Chitalu”, gravado com as narrações de todos os seus golos, e o disco se tornou um bestseller, vendendo mais do que discos de música! Impressionante...
Muchimba, historiador
O que nos fez levar a escrever esta publicação prende-se com o que aconteceu no ano de 1972, que, de acordo com a Federação da Zâmbia, Ucar marcou 106 golos (pelo Kabwe Warriors e pela seleção), contra 90 do argentino em 2012, o que o transformaria no maior marcador num ano civil. Porém, este recorde não é reconhecido nem pelo Guinness Book (que afirma que é Lionel Messi), nem pela FIFA, que recusa-se a creditar o recorde a algum jogador, pois esta considera não ter uma base de dados onde seja possível saber todas as informações acerca de todos os jogadores, principalmente em alturas tão antigas e países mais remotos.
A sua carreira ao nível de seleção, apesar de não ter conquistado nenhum título de relevo, é sensacional. O Rei do Golo marcou por 79 vezes em apenas 103 jogos realizados. Uma média excelente para uma seleção que estava bem longe de ser uma das melhores seleções africanas.
A carreira de Chitalu continuou, todas as épocas eram golos atrás de golos. Chitalu foi o primeiro jogador a conquistar o prémio de Jogador do Ano da África por duas vezes seguidas (1978 e 1979). Participou de inúmeras campanhas em eliminatórias para Mundiais. Apaixonado pelo Kabwe Warriors, Chitalu retirou-se dos relvados em 1982 e tornou-se treinador adjunto mas continua a envolver-se em polémicas. Em 1983, numa partida contra o Nkana Red Devils, invadiu o relvado e acertou um soco no árbitro, que suspendeu o jogo. O ex-jogador acabou punido pela federação: foi banido do futebol para o resto da vida, mas acabou perdoado após dois anos de castigo devido à influência que tinha para o futebol zambiano. Em 1988, era assistente técnico da Seleção de Zâmbia, que surpreendeu a todos nos Jogos Olímpicos de Seoul, inclusive com uma goleada de 4-0 frente à poderosa Itália.
O retorno ao Kabwe aconteceu em 1990, quando Chitalu assumiu o desafio de recuperar a equipa, que setava a disputar a segunda divisão. Sob o comando do ídolo, os Warriors subiram imediatamente para a elite e ainda conquistaram dois títulos: a Challenge Cup e o Troféu Campeão dos Campeões. Como resultado, o Chitalu foi considerado o melhor treinador da temporada.
Com o bom trabalho no Kabwe, Chitalu foi chamado para assumir a seleção da Zâmbia em dezembro de 1992. O otimismo no país era geral, já que a geração era considerada a melhor da história e estava nos objetivos a classificação para o Mundial. Mas algo de trágico iria acontecer. Entretanto, no dia 27 de abril de 1993, o avião que levava a delegação para o duelo diante do Senegal caiu no Gabão. Chitalu, toda a comissão técnica e os 18 jogadores morreram. Marrocos acabou se classificando para o Mundial. Em Brazzaville, um dos motores do avião começou a dar os primeiros problemas de funcionamento, mas a tripulação seguiu viagem. A poucos minutos da chegada a Libreville, ocorreu um incêndio no motor esquerdo, logo controlado. O motor direito parou de funcionar e o avião perdeu altitude, caindo a 500 metros da capital gabonesa. Uma notícia publicada em 2003 atribuiu o acidente a um erro do piloto.
A maioria dos zambianos, inclusive eu, acreditavam que o time ia conseguir a classificação para o Mundial. Pouco antes do acidente, uma revista africana havia colocado a nossa seleção como o favorita para vencer o grupo [com Marrocos e Senegal]. Os dias após o desastre foram o período mais tenebroso da história do país. Foi difícil acreditar que um grupo tão excepcional havia sido dizimado.
Muchimba, lembrando a morte da comitiva zambiana
A recuperação do futebol zambiano demorou a acontecer após a tragédia. A seleção segue sem disputar um Mundial, mas, em 2012, conquistou pela primeira vez a CAN (Taça das Nações Africanas). Por outro lado, o Kabwe Warriors, o clube do coração de Chitalu,, sofreu com diversos problemas económicos e passou a ter dificuldades para ficar na elite local. Uma coisa é certa, Chitalu, Ucar ou simplesmente Rei do Golo será eterno.