Kerlon, o "foquinha" que não passou de uma promessa
Quem não se lembra do Kerlon Foquinha? Formado no Cruzeiro, o extremo era conhecido por Foquinha por ter criado o "drible da foca" que consistia em subir a bola para a sua cabeça e indo por ali fora até às áreas adversárias. A única forma de parar o jogador, na maioria das vezes, seria com recurso à falta e, muitas delas, graves. Podem ver aqui um pequeno vídeo de alguns dribles que o jogador fazia, nomeadamente ao serviço do clube brasileiro. E saiu para a ribalta precisamente devido a este drible porque a nível de outras valências técnicas ficou sempre aquém do esperado.
Kerlon nasceu em Ipatinga, região com mais de 200 mil habitantes situada em Minas-Gerais, em 1988. Desde cedo o pequeno Kerlon mostrou habilidade com a bolas nos pés e... na cabeça. Entrou para as camadas jovens do Cruzei em 2001 com apenas 13 anos e destacou-se sempre pelos vários campeonatos de base que existiam no Brasil, muito por culpa do drible que já explicamos acima. Devido ao facto de ser um jogador franzino e muito pequeno (Kerlon tem apenas 1,65 metros) teria de se destacar de outra forma porque haviam muitos jogadores da base que eram mais fortes que ele. O drible da foquinha acentava que nem uma luva, colocar a bola por cima da cabeça e ir correndo o campo inteiro até à área adversária valeram algumas entradas mais agressivas por parte dos adversários: como era um drible novidade nos campeonatos, ninguém saberia ao certo qual a melhor forma de o travar, pelo menos no início e começou a ganhar maior notoriedade internacional a partir do Sul-Americano Sub-17 de 2005, disputado na Venezuela, em que o Brasil sagrou-se campeão e Kerlon foi o artilheiro (com oito gols) e eleito o melhor jogador da competição.
Sendo destaque nas camadas jovens do Cruzeiro, Kerlon viria a estrear-se com a camisola da Raposa em 2005 num jogo a contar para Taça do Brasil diante do Baraúnas. Ao todo foram 79 jogos, em três anos, com a camisola do Cruzeiro e 5 golos apontados. O problema é que foram surgindo cada vez mais agressões ao jogador, isto porque o seu drible era visto como uma espécie de anti fairplay e, acima de tudo, desrespeitoso para o adversário.
Existiu um episódio, diante de um dos maiores rivais do Cruzeiro, o Atlético Mineiro. Jogando fora de portas, e estando o Cruzeiro a ganhar por 4-3, os ânimos já estão exaltados, e o drible do jogador pareceu, aos atleticanos, uma atitude ofensiva. Por conseguinte, o agredido passou a ser agressor, gerando uma confusão generalizada no estádio, com direito à expulsão de um jogador do Atlético Mineiro. As lesões acabaram por prejudicar a carreira do jogador no Cruzeiro, que passou por três cirurgias: primeiro no tornozelo esquerdo, e em ambos os joelhos, que acabaram o afastando dos relvados por vários meses. Aliás, as lesões foram mesmo o grande impedimento de Kerlon não ter conseguido chegar a outros patamares do futebol.
Mesmo com os problemas nos joelhos, Kerlon cumpria o sonho de jogar no futebol europeu. O Chievo Verona, de Itália, viu com bons olhos a chegada de Kerlon Foquinha pelo qual pagaram 1,3 milhões para contar com o jogador nos seus quadros. Não conseguiu triunfar em Chievo, participou em apenas 4 jogos (com um golo marcado) e no final da temporada tinha guia de marcha do clube. O destino? Nada mais que um dos clubes mais poderosos de Itália, o Inter de Milão. Não iria ter espaço na equipa principal na época 2009/10, seria emprestado ao Ajax de forma a encontrar o seu futebol num campeonato propício a ter mais golos, com mais espaço para jogar e onde Kerlon poderia reencontrar o seu espaço. Nem sequer chegou a estrear-se pelo clube holandês. As lesões e o aumento do peso fizeram com que o brasileiro decaísse gradualmente de rendimento adiando a sua afirmação como jogador.
Desaparecido do mapa com passagens posteriores por empréstimo ao Paraná da Série B do Brasil e Nacional de Patos onde só há registo de um jogo onde atuou por apenas 15 minutos... Kerlon estava muito longe dos seus melhores tempos e viu o seu empréstimo com o Internazionale chegar ao fim. A sua carreira precisava de um novo rumo e eis que surge, em 2013, o Japão na vida do craque brasileiro.
Quatro longos anos se passaram até o “Foquinha” de outrora reaparecer, mas não da forma que os adeptos do Cruzeiro imaginavam. Foi na garrafa de um refrigerante japonês, criada em homenagem ao jogador quando este foi para o Japão, que a antiga estrela ressurgiu. Kerlon, por outro lado, ainda tentou repetir a sua famosa artimanha pelo Fujieda MYFC que representava a terceira divisão daquele país que, comparativamente a outros anos, pode-se afirmar que foi onde Kerlon conseguiu tirar proveito do seu futebol. Em meia época, Kerlon realizou oito jogos, foram três golos e seis assistências. O suficiente para tirar a equipa da linha de água e posicioná-la no meio da tabela. Na segunda temporada, afirmou-se como um dos ídolos da cidade, a garrafa era um sucesso e Kerlon continuava completamente integrado na equipa. Na segunda temporada fez o gosto ao pé por seis vezes em catorze partidas. Com algumas lesões pelo meio que o impediram de ter mais minutos de utilização, Kerlon fecharia o ciclo do Japão para apostar no... Weymouth Wales, um clube dos Barbados. Não existindo qualquer registo de jogos efetuados.
Com a passagem pelas Caraíbas sendo um fracasso, Kerlon ruma, em 2015, ao Estados Unidos da América pouco tempo depois para representar o Miami Dade FC, equipa que foi fundada apenas em 2014 para realizar apenas 5 jogos fazendo o gosto ao pé por 3 vezes. Os últimos anos de carreira de Kerlon no futebol foram marcados pelas lesões e, sobretudo, pela mudança. Era raro ver o jogador a frequentar um clube por mais de duas temporadas, aliás, desde que saiu do Japão apenas teve, no máximo, 9 meses num clube. Manifestamente pouco para um jogador que precisava de mais estabilidade na sua carreira.
Com a experiência pela equipa da Florida a chegar ao fim, eis que Kerlon assina pelos Slimena Wanderers, de Malta. Tinha iniciado a sua vida em Malta para fazer testes no Birkirkara mas acabou assinando pelo Slimena. Ali, foram oito jogos com apenas dois golos marcados e com guia de marcha para voltar a procurar um novo clube. Essa nova oportunidade chegaria do Brasil para representar o Villa-Nova onde disputou 3 jogos (todos na condição de suplente) para o campeonato mineiro. Sem conseguir encantar os adeptos e convencer os dirigentes, o contrato é rescindido e Kerlon volta novamente para a Europa, desta vez para representar o Spartak Trnava, da Eslováquia.
Kerlon assina por um ano e meio, a expectativa era relativamente alta para o jogador e para os próprios dirigentes do clube que viam em Foquinha um jogador que poderia fazer realmente a diferença nos jogos, porém as expectativas saíram furadas. Com apenas 170 minutos distribuídos por 4 jogos (mais uma vez, sempre como suplente) não convenceram e o clube rescindiu o contrato no final da temporada.
Em 2017, sem clube, Kerlon, com apenas 29 anos, dá por terminada a sua carreira enquanto futebolista.
O futebol fez-me perceber em certos momentos o lado bom e o lado mau do homem e ensinou-me o caminho certo que todos devemos andar. Passei por momentos de muitas tristezas, de muitas lesões e de muitas desconfianças. Mesmo assim lutei, tentei e mesmo passando por seis cirurgias de LCA e duas de ligamento no tornozelo sempre tenteirecuperar e continuar a fazer o que mais gosto, jogar futebol [...] Finalmente eu perdi para as lesões, fui muito além de minhas forças, mas fico feliz por ter tido a oportunidade de viver coisas boas e agradáveis que só o futebol pode proporcionar.
Kerlon Foquinha, no momento da despedida