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Terceiro Tempo

"Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola." - Nelson Rodrigues

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"Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola." - Nelson Rodrigues

Bojan Krkic, a maior promessa de La Masia após Messi

24.03.20, Terceiro Tempo

Bojan Krkic é um nome que quando as pessoas ouvem falar e recorda com alguma saudade. O craque de despontou no Barcelona apenas com 17 anos e na época de estreia termina com 12 golos apontados em todas as competições, eram um excelente prenúncio que estaríamos perante uma das maiores promessas do futebol mundial e que teria tudo para singrar no futebol ao mais alto nível. 13 anos após a estreia da primeira equipa do Barcelona, verifica-se que a carreira de Bojan passou completamente ao lado. O que terá acontecido?

Bojan Krkic nasceu em 1990 em pleno seio catalão, filho de país sérvios, o pai, também ele chamado Bojan Krkic, trabalhava como olheiro do Barcelona, após ter terminado a sua carreira de futebolista ao serviço do Mollerussa, clube da Catalunha com apenas 25 anos.

Desde cedo incutiu o gosto e prazer do futebol ao seu filho e assim que fez 9 anos, entrou para a academia do Barcelona, conhecida como La Masia e só saiu onze anos depois. No seu período em La Masia, conhecida Academia que fabricou imensos talentos como Messi, Xavi, Iniesta e agora mais recentemente Fati, Bojan marcou de 900 golos nas camadas jovens fazendo dele a maior promessa daquela geração do futebol mundial.

A explicação pode estar justamente na precocidade da carreira. E a falta de estrutura mental para aguentar a pressão de se tornar uma estrela aos 16 anos. Foi com essa idade que ele estreou pela equipa principal. Com 17 anos e um mês, já marcava seu primeiro golo como profissional enquanto Messi, por exemplo, só balançou as redes com 17 anos e 10 meses.

Tudo estava a correr de feição, jogar ao lado dos seus ídolos, e receber constantemente elogios dos seus companheiros e treinador de equipa levaram a ser criada uma enorme pressão em cima dos seus ombros que Bojan não conseguiu aguentar. Mesmo com quatro anos de equipa principal relativamente bons, Bojan oscilava sempre entre a titularidade e o banco de suplentes nunca tendo uma sequência de jogos titulares que o fizesse engrenar na equipa. E a explicação sobre esses momentos do Barça e o porquê de não terem corrido da forma que esperava foram explicados pelo próprio numa entrevista impressionante ao jornal francês L'Equipe:

O Bojan do Barcelona era 100% jogador de futebol, mas não estava preparado para suportar todo o impacto mediático. Era um jovem de 17 anos, que jogava num clube como o Barcelona. Foi um grande choque. Encontrei um balneário onde estavam Eto'o, Puyol, Maxwell, Iniesta... Cada dia era um sonho. No balneário não fazia (nada), basicamente. Lembro-me perfeitamente do primeiro dia. Estava sentado a cinco metros de onde estavam a garrafas de água. Tinha sede, mas nunca me levantei para apanhar uma garrafa. Tinha medo de fazer algo de errado...

Bojan numa entrevista ao jornal L'Equipe em 2018

Despontando no Barcelona, Bojan rapidamente era chamado à seleção espanhol também para evitar que o jogador fosse chamado à seleção da sérvia, de onde os pais são naturais. A sua estreia deu-se a 10 de setembro de 2018 e Bojan entrou para os últimos 25 minutos da partida na vitória por 4-0 frente à Arménia. Com apenas 17 anos e a estreia na roja, tudo fazia prever que seria a primeira de muitas internacionalizações mas... está errado. Bojan nunca mais participou em nenhum jogo da sua seleção e isto deve-se ao próprio Bojan que resolvou "colocar um travão" em tudo o que se passava à sua volta devido aos ataques de ansiedade que ia tendo, era demasiada pressão nos ombros de um jovem que apenas o que queria fazer era jogar futebol:

Foi aí que tudo começou. Senti-me angustiado e tive de parar. Tudo aconteceu a partir daí. Nem sequer era um adulto. Depois decidi não ir ao Europeu. Precisava de me desligar do futebol e de me afastar dos meios de comunicação. Nunca me arrependi dessa decisão.

Bojan ao jornal L'Equipe

Tudo foi comunicado como um problema gástrico que Bojan tinha tido mas foi muito mais que isso. Ataques de ansiedade levaram com que desligasse do futebol por algum tempo, nomeadamente na altura do Europeu, em 2008. Mas não foi apenas esse ataque de pânico que o jogador teve. É que no meio deste ano, ele revelou ao jornal espanhol Marca que as suas primeiras temporadas no Barcelona, sofreu com ataques de pânico. Em alguns, teve de passar a noite no hospital após começar a tremer depois de uma partida. Portanto, podemos perceber que o facto de Bojan não ter triunfado em Barcelona nem foi tanto por problemas dentro de campo ou ser mau profissional, foi o facto de não aguentar ter toda a mídia em cima de si, toda a gente a querer saber o porquê de Bojan ser o melhor jogador jovem do mundo e tudo isso levou a não conseguir lidar com a pressão nem ter capacidade emocional para tal. Era apenas um menino com 17/18 anos...

Bojan, com toda a pressão, sentia a necessidade de deixar o futebol espanhol para rumar a Itália, para integrar a equipa da Roma. Os romanos pagaram 12 milhões pelo jogador com o Barcelona a ter uma cláusula de recompra de 13 milhões que poderia exercer até ao limite de três anos. Mas convém realçar  que a sua estadia em Barcelona, em termos de títulos, foi avassaladora, Bojan contava no currículo, na altura que deixou o Barcelona, com duas Liga dos Campeões, um campeonato do Mundo de Clubes, três Ligas Espanholas e algumas taças. Impressionante. Tudo isso ficou para trás e o seu futuro seria o clube da capital romana, o AS Roma.

O facto de ter escolhido um clube com menor expressão para continuar a espalhar o seu talento, Bojan continuou sempre com os holofotes em cima de si. A jogar ao lado de Totti e fazendo 37 jogos pelo clube, embora apenas metade deles como titular, Bojan fez balançar as redes por 7 vezes para a Serie A. Os números não foram os desejados e os dirigentes do clube romano decidiram que o melhor para Bojan seria rodar. O clube? Nada mais, nada menos que o poderoso AC Milan

O empréstimo ao Milan não correu da forma como Bojan esperaria. Raramente foi opção para o técnico Massimiliano Allegri e terminaria a época apenas com três golos marcados. Algo manifestamente pouco para um jogador que se esperava tanto. Mesmo assim, o Barcelona resolveu exercer a cláusula de compra que possuía e resgatou o jogador por apenas 13 milhões de euros. Mas não iria entrar no plantel do Barcelona, não tinha espaço, o Barcelona estava com uma super equipa e ambas as partes verificaram que um (novo) empréstimo seria importante para Bojan. Desta vez, rumaria ao Ajax, um clube mítico, numa liga não tão competitiva como a Liga Espanhola, nem tão dura como a Liga Italiana pelo que o futebol holandês, com mais espaço e com um futebol de ataque poderia ser importante para Bojan voltar a encontrar o seu melhor futebol. O empréstimo era válido por uma época e, em caso de bom rendimento do espanhol, poderia o empréstimo ser extendido por mais um ano.

Bojan, que é o jogador mais jovem de sempre atingir os 100 jogos com a camisola blaugrana, começou bem a época no Ajax, como titular no primeiro jogo oficial, a Supertaça, competição que o Ajax conquistou mas Bojan não escreveu o seu nome na lista de marcadores nesse jogo, aliás, só iria marcar por cinco vezes em toda a temporada, todos os golos para a liga holandesa, competição que Bojan e o "seu" Ajax também viria a conquistar. Se do ponto de vista colectivo, a época correu bastante bem para Bojan, a nível individual esteve longe do que Bojan estaria à espera muito por culpa da lesão que sofreu no início de época, após a conquista da Supertaça da Holanda, que levou Bojan a ficar fora dos convocados durante dois meses e meio. E sem ter o rendimento esperado, o Ajax não exerceu a opção de extender o empréstimo e Bojan voltaria a Barcelona sem singrar fora da Espanha, pela terceira vez consecutiva mas com guia de marcha para Inglaterra.

Se não conseguia o obter o rendimento esperado fora do Barcelona, os dirigentes do clube catalão não viam espaço para Bojan Krkic no plantel. Sendo assim, e para se livrarem do jogador, resolveram vender a um preço "de saldo". Em 2014, o clube que se chegou mais rapidamente à frente foi o Stoke City, da Premier League, que por 1,8 milhões de euros apenas, comprou o jogador que assinou um contrato válido por três temporadas.

Longe dos holofotes, estando num clube de baixa dimensão de Inglaterra, Bojan tinha a oportunidade de voltar a ter prazer em jogar futebol. Ter em atenção que nesta altura, Bojan tinha apenas 23 anos. Ainda estava completamente dentro do tempo de voltar a encontrar o seu caminho e tornar-se tudo aquilo que as pessoas estavam à espera desde que começou a despontar no clube culé.

No Stoke, sem toda a pressão da mídia e dos adeptos que teria se tivesse a jogar num Barcelona, Milan ou Ajax, Bojan voltou às boas exibições. Em seis meses com a camisola vermelha e branca vestida, Bojan foi sempre opção e na esmagadora maioria das vezes titular. Jogando mais no apoio ao avançado Peter Crouch, Bojan chega a janeiro com 4 golos marcados com o Stoke City a ocupar o 9º lugar da tabela. O problema veio depois, no final de janeiro, Bojan lesiona-se no joelho (rotura de ligamentos) que obrigou a uma paragem de seis meses, perdendo tudo o que restava da época. Felizmente foi a última lesão da carreira de Bojan até ao momento.

Na temporada seguinte e devidamente recuperado, Krkic volta ao bom nível exibicional, sendo peça importante no 9º lugar alcançado pelo Stoke City (o melhor lugar de sempre para a equipa inglesa). Participou em 32 jogos, 27 dos quais na condição de titular, fazendo o gosto ao pé por sete vezes, todas elas para o campeonato. Era um bom prognóstico para uma terceira época ao serviço dos Potters de afirmação total que até valeram uma renovação de contrato com aumento salarial.

A temporada de 2016/17, Bojan com 26 anos, perdeu espaço no clube. A concorrência era muita: Bony, Arnautovic, Saido Berahino, Diouf, Shaqiri, etc. Eram muitos jogadores que podiam jogar nas posições da frente e o espanhol sofreu com isso. Jogando apenas 500 minutos até janeiro com 4 golos marcados, Bojan abandona a Premier League em janeiro e estreia-se na Bundesliga, o destino era o Mainz, que estava em maus lençóis na altura com uma possível descida de divisão que não se concretizou. A manutenção foi assegurada apenas na última jornada (com igualdade pontual com o Wolfsburgo que desceu) com Bojan a não ter o efeito desejado na equipa. Com apenas 1 golo marcado em 11 participações na Bundesliga não foram suficientes para os dirigentes do clube alemão avançarem para a sua contratação. Sendo assim, Bojan voltaria a Inglaterra sem triunfar na Alemanha, uma vez mais Bojan ficava aquém.

De regresso a Inglaterra, Bojan sabia que poderia não ter lugar na equipa inglesa. Jogou os dois primeiros jogos com a camisola dos Potters (um para a Premier League e outro para a Taça da Liga) na condição de titular mas com exibições a não convencerem os adeptos. No último dia do mercado, Bojan é emprestado ao Alavés. Era assim o regresso de Bojan ao futebol espanhol onde já tinha sido bastante feliz com a camisola do Barcelona. O empréstimo era válido por uma temporada e não contemplava cláusula de compra.

O regresso ao seu país foi difícil, raramente foi opção para os 4 (!) treinadores que estiveram ao serviço do Alavés naquela época. Com apenas 11 jogos realizados para a La Liga (apenas 400 minutos) e zero golo marcados, Bojan não deixaria saudades para a afícion e voltaria para o Stoke City. O clube inglês teve uma época atribulada depois de épocas bastante bem conseguidas. A descida de divisão foi uma realidade e o clube jogaria o Championship (equivalente à segunda divisão portuguesa) com a expectativa de voltar à elite do futebol inglês o mais rapidamente possível. Devido a isso, Bojan permaneceu no plantel com o objetivo de assegurar a subida de divisão. Com exibições francamente más no segundo escalão inglês, com 21 jogos, apenas 736 minutos e um golo marcado valeram não só uma época sofrível a nível individual como a nível colectivo com o Stoke a terminar na 17º posição. Com a reestruturação feita nos Potters no final da temporada, Bojan tinha guia de marcha para experimentar outros 'ares' porque estava  em final de contrato.

Bojan assinaria a custo zero pelo Montréal Impact, equipa do Canadá, que disputa a MLS (competição nos Estados Unidos) que teve como maior estrela Didier Drogba que, em final de carreira, optou também por jogar na MLS. Com apenas 29 anos, Bojan ruma ao oitavo clube diferente da carreira, o primeiro clube fora do continente europeu. Ruma a um campeonato que tem crescido nos últimos anos, em termos de qualidade exibicional como em número de pessoas assistir aos jogos nas bancadas. Ao serviço do Móntreal Impact, Bojan participou em 10 encontros e marcou um golo, conquistado a Canadian Championship (uma espécie de Taça apenas com os clubes do Canadá) colocando um interregno de domínio do Toronto FC. Não é certo como será o futuro daqui em diante para Bojan Krkic. Sabemos apenas que passou ao lado de uma carreira que muitos esperavam que fosse triunfante. Para acabar esta rubrica O que aconteceu, deixaremos aqui umas últimas palavras de Bojan, um meses após ter assinado pelo Montréal:

Eu amo futebol. Jogar futebol é o que me deixa mais feliz no mundo. Portanto, quando o Montréal encontrou em contacto comigo para vir para aqui, senti esse sentimento, decide que o melhor a fazer essa vir para o Canadá, para voltar a desfrutar do futebol.

Bojan Krkic em entrevista ao site oficial do Montréal Impact

Anguilla, a pior seleção do mundo

15.03.20, Terceiro Tempo

Anguilla, conjunto de várias pequenas ilhas, é destino paradísiaco situada na zona das Caraíbas, é um território britânico ultramarino. Descoberta em 1943 pelo português Cristovão Colombo, foi colonizada por ingleses e pertenceu ao Reino Unido durante centenas de anos. Em 1967, iniciou-se um movimento para conseguir autonomia e expulsos alguns britânicos que habitavam na ilha. Em 1976, Anguilla conquistou a condição de dependência britânica com autonomia administrativa. Com forte presença inglesa durante tantos anos, é natural que a influência do futebol exista em Anguilla, mas obviamente atrás de desportos de vela, cricket, etc, e iremos entender o porquê.

Caraíbas. Anguilla. 13 mil habitantes. Capital The Valley. Pior lugar do ranking FIFA. Apresentações estão feitas, vamos perceber melhor como é o futebol em Anguilla e como é que a seleção está há tanto tempo sem ganhar um único jogo.

A primeira divisão de Anguilla, conhecida como AFA League, foi criada em 1997 e possuí sete equipas que disputam um playoff final de campeão. Não existem muitas informações, mas algumas fontes dizem que existe apenas um estádio e que recebe todos os jogos da liga, chama-se Ronald Webster Park (nome em memória de um político de Anguilla) com capacidade para 4 mil pessoas. As maiores equipas da Ilha são os Roaring Lions, Kicks United e Attackers FC. Sendo os Kicks, os últimos vencedores da liga tornando-se bicampeões.

Todos os jogadores são amadores, jogam por amor ao desporto e mais concretamente ao futebol. Têm outros trabalhos, o futebol é apenas um complemento para se libertarem do stress do trabalho, sendo assim, a sua seleção sente-se com isso porque a maioria dos jogadores convocados joga no campeonato nacional.

A seleção de Anguilla foi formada em 1990 mas nunca obteve nenhum resultado muito relevante em toda a sua história, não tendo nunca disputado nenhuma competição (fracassou sempre nas eliminatórias). Para percebemos melhor o porquê de ser a pior seleção do mundo, convém perceber que a sua última vitória remonta a 2015, quando em março, dois particulares, a seleção de Anguilla derrotou Saint Martin por 2-0 e as Ilhas Virgens Britânicas por 3-1. Mas e se falarmos em competições oficiais? Aí é necessário recuar até 2010, para a Taça das Caraíbas (que serve como qualificação para a CONCACAF), bateram Saint Martin por 2-1, mas ficaram em último lugar do grupo.

Por aqui percebemos que a Anguilla está muito longe de ser uma expressão até mesmo dentro das outras seleções das Caraíbas. O que é certo é que Anguilla está longe de fazer vários jogos por ano, realiza apenas os jogos de qualificação para o Mundial e para a CONCACAF, e depois alguns amigáveis contra países das redondezas. O seu jogador com mais presenças é Girdon Connor, que nunca conheceu outro clube que não o Roaring Lions, tem 17 presenças pela seleção e teve a felicidade de marcar por uma vez. O jogador com mais golos marcados é Richard Connor que é também o melhor jogador de sempre da história do futebol de Anguilla. Engane-se se pensa que Richard Connor apenas jogou por Anguilla... ele nasceu em Inglaterra mas devido aos pais terem nascido na ilha, naturalizou-se e defendeu a seleção marcando por 5 vezes em apenas 6 jogos! Uma excelente média de golos. Isto tudo porque provavelmente jogou sempre nas divisões secundárias de Inglaterra, fez a sua formação no Wimbledon e esteve sempre presente nas divisões mais secundárias de Inglaterra até terminar a carreira em 2006, aos 27 anos, não sabemos os motivos e a informação que exista disponível é muito pouca para chegarmos a uma conclusão.

Anguilla é a pior seleção do mundo desde 28 de novembro de 2019 "ultrapassando" a seleção europeia San Marino que esteve nessa posição durante vários anos. É um lugar onde ninguém quer estar, a FIFA tem ajudado as equipas das Caraíbas a desenvolverem-se em termos de infraestruturas para conseguir que os clubes da região tenham as condições minímas para potencializar as suas qualidades. Ainda estamos muito longe desse caminho, o dinheiro que chegou serviu para criar alguns estádios para a prática do desporto mas a profissionalização dos jogadores ainda está muito longe. Em toda a sua história, Anguilla apenas teve um jogador profissional, Richard Connor, que já foi referido aqui.

Godfrey Chitalu, a trágica morte do melhor jogador zambiano da história

10.03.20, Terceiro Tempo

O futebol zambiano nunca teve jogadores de destaque nos principais campeonatos europeus. Godfrey Chitalu é o mais próximo de Deus que existe para os adeptos da Zâmbia. Quem o viu jogar, diz que era um jogador incrível mas que dedicou todo o seu futebol ao seu país, à Zâmbia. Existe mesmo quem diga que o recorde de melhor marcador num ano civil e não de Messi. Os muitos títulos, golos e assistências valem um lugar na história do futebol zambiano, sendo considerado o melhor jogador de sempre daquele país. Infelizmente O Rei do Golo, como era carinhosamente chamado, teve (e mais alguns jogadores e dirigentes) um trágico desfecho.

Godfrey Chitaly nasceu a 22 de outubro de 1947 na Rodésia do Norte, que mais tarde passou a chegar chamado de Federação da Rodésia e Niassalândia e, por fim, em 1964, com a proclamação da independência, tornou-se Zâmbia para nunca mais mudar.

Não se sabe bem ao certo, mas diz-se que nos primeiros anos da década de 1960, Godfrey Chitalu juntava-se aos Roan United tornando-se profissional nesse clube. Em 1967, transferiu-se para o Kitwe United e protagonizou o início de uma carreira marcada por impulsos. Dono de uma forte personalidade e com um temperamento explosivo, era um jogador com graves problemas disciplinares e metade da temporada de 1969 suspenso devido às entradas violentas sobre os jogadores adversários. Numa dessas jogadas é expulso e inconformado, recusou-se a sair das quatros linhas e teve de ser acompanhado pelo corpo de intervenção. Acabou suspenso pelo resto da temporada. Ele era explosivo e muito temperamental, especialmente quando começou a carreira. Por outro lado, não há registos de que tinha um comportamento condenável fora de campo.

O resultado? Na temporada seguinte, a aura de goleador já era reconhecida em Chitalu. Em 1968, segundo o As, apontou um total de 81 golos

Eu era criança quando vi Chitalu jogar. Ele era ambidestro e tinha um bom chute de fora da área. Também era muito rápido e driblava os defensores com facilidade. E, fisicamente, era tão forte quanto Pelé

Andrew Kamanga, atual presidente do Kabwe Warriors

A alcunha de Rei do Golo era cada vez mais comum, ficou no Kitwe United até ao final da década de 1960. Em 1971, assina pelo Kabwe Warrios, o seu clube do coração, para nunca mais sair. Os valores da transferência foram um recorde para a altura e para a realidade do futebol zambiano. Mas obviamente, tratando-se de Godfrey, a transferência teria de envolver alguma polémica, isto porque o seu antigo clube não o quis libertar, e a transferência só foi concluída com a intervenção da federação. 

O avançado, também conhecido pelo apelido de Ucar, que é uma analogia com uma bateria (pilha) e foi dado pelo radialista Dennis Liwewe, que afirmou ao longo de uma transmissão que Chitalu estava "super carregado como uma bateria Ucar". O apelido caiu no gosto dos adeptos e também do próprio Godfrey Chitalu, que adotou o mesmo. Com cada vez maior popularidade no seio do seu país isso também se catapultou para a política.. No auge de Chitalu, o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, impediu o jogador de se transferir para clubes estrangeiros, afirmando que o atleta era um tesouro nacional no qual os futuros jogadores zambianos deveriam-se inspirar para um dia ser como ele.

A influência de Chitalu era tanta que inspirou muitos jovens do país. Além do caso das baterias UCAR e do presidente, ele também teve um LP, intitulado “Godfrey Chitalu”, gravado com as narrações de todos os seus golos, e o disco se tornou um bestseller, vendendo mais do que discos de música! Impressionante...

Muchimba, historiador

O que nos fez levar a escrever esta publicação prende-se com o que aconteceu no ano de 1972, que, de acordo com a Federação da Zâmbia, Ucar marcou 106 golos (pelo Kabwe Warriors e pela seleção), contra 90 do argentino em 2012, o que o transformaria no maior marcador num ano civil. Porém, este recorde não é reconhecido nem pelo Guinness Book (que afirma que é Lionel Messi), nem pela FIFA, que recusa-se a creditar o recorde a algum jogador, pois esta considera não ter uma base de dados onde seja possível saber todas as informações acerca de todos os jogadores, principalmente em alturas tão antigas e países mais remotos.

A sua carreira ao nível de seleção, apesar de não ter conquistado nenhum título de relevo, é sensacional. O Rei do Golo marcou por 79 vezes em apenas 103 jogos realizados. Uma média excelente para uma seleção que estava bem longe de ser uma das melhores seleções africanas.

A carreira de Chitalu continuou, todas as épocas eram golos atrás de golos. Chitalu foi o primeiro jogador a conquistar o prémio de Jogador do Ano da África por duas vezes seguidas (1978 e 1979). Participou de inúmeras campanhas em eliminatórias para Mundiais. Apaixonado pelo Kabwe Warriors, Chitalu retirou-se dos relvados em 1982 e tornou-se treinador adjunto mas continua a envolver-se em polémicas. Em 1983, numa partida contra o Nkana Red Devils, invadiu o relvado e acertou um soco no árbitro, que suspendeu o jogo. O ex-jogador acabou punido pela federação: foi banido do futebol para o resto da vida, mas acabou perdoado após dois anos de castigo devido à influência que tinha para o futebol zambiano. Em 1988, era assistente técnico da Seleção de Zâmbia, que surpreendeu a todos nos Jogos Olímpicos de Seoul, inclusive com uma goleada de 4-0 frente à poderosa Itália.

O retorno ao Kabwe aconteceu em 1990, quando Chitalu assumiu o desafio de recuperar a equipa, que setava a disputar a segunda divisão. Sob o comando do ídolo, os Warriors subiram imediatamente para a elite e ainda conquistaram dois títulos: a Challenge Cup e o Troféu Campeão dos Campeões. Como resultado, o Chitalu foi considerado o melhor treinador da temporada.

Com o bom trabalho no Kabwe, Chitalu foi chamado para assumir a seleção da Zâmbia em dezembro de 1992. O otimismo no país era geral, já que a geração era considerada a melhor da história e estava nos objetivos a classificação para o Mundial. Mas algo de trágico iria acontecer. Entretanto, no dia 27 de abril de 1993, o avião que levava a delegação para o duelo diante do Senegal caiu no Gabão. Chitalu, toda a comissão técnica e os 18 jogadores morreram. Marrocos acabou se classificando para o Mundial. Em Brazzaville, um dos motores do avião começou a dar os primeiros problemas de funcionamento, mas a tripulação seguiu viagem. A poucos minutos da chegada a Libreville, ocorreu um incêndio no motor esquerdo, logo controlado. O motor direito parou de funcionar e o avião perdeu altitude, caindo a 500 metros da capital gabonesa. Uma notícia publicada em 2003 atribuiu o acidente a um erro do piloto.

A maioria dos zambianos, inclusive eu, acreditavam que o time ia conseguir a classificação para o Mundial. Pouco antes do acidente, uma revista africana havia colocado a nossa seleção como o favorita para vencer o grupo [com Marrocos e Senegal]. Os dias após o desastre foram o período mais tenebroso da história do país. Foi difícil acreditar que um grupo tão excepcional havia sido dizimado.

Muchimba, lembrando a morte da comitiva zambiana

A recuperação do futebol zambiano demorou a acontecer após a tragédia. A seleção segue sem disputar um Mundial, mas, em 2012, conquistou pela primeira vez a CAN (Taça das Nações Africanas). Por outro lado, o Kabwe Warriors, o clube do coração de Chitalu,, sofreu com diversos problemas económicos e passou a ter dificuldades para ficar na elite local. Uma coisa é certa, Chitalu, Ucar ou simplesmente Rei do Golo será eterno.

Salford City Football Club, o clube gerido pelos Fergie Babies

02.03.20, Terceiro Tempo

O Salford City Football Club poderá ser um nome de um clube que passa despercebido à primeira. Sem nunca terem ganho nada de muito relevante, o Salford apenas tem registo de passagens pelas divisões secundárias de Inglaterra tendo na época passada subido à League One (corresponde à quarta divisão portuguesa) pela primeira vez na sua história. Mas qual a razão para estarmos a escrever sobre o Salford? Pois bem, Peter Lim, conhecido accionista do Valência comprou, em 2014, 40% das ações do clube e os Fergie Babies (Gary Neville, Phil Neville, David Beckham, Nicky Butt, Ryan Giggs e Paul Scholes) detêm os restantes 60%, sendo que cada um possuí 10% do clube. Ou seja, estão reunidos todos os "ingredientes" necessários para vermos o Salford City no topo do futebol inglês num futuro próximo.

O Salford City Football Club é um clube de futebol inglês fundado em 1940. Situado na periferia de Manchester e tendo uma ligação próxima a cidade, os Fergie Babies sentiram que este era o clube perfeito para idealizar um projeto que tem bases suficientes para chegar à primeira divisão inglesa. Mas vamos começar bem pelo início, pela fundação do clube.

No seu início, o clube chamava-se Salford Central e ia disputando de forma progressiva algumas ligas da região de Manchester. Em 1963, face ao maior protagonismo na scene amadora, alteram o nome do clube para Salford Amateus. A década de 1970 foram das melhores da história para o clube da periferia de Manchester com três Lancashire Amateur Cup conquistadas em 1973, 1975 e, por último, em 1977.

O clube sempre jogou no seu pequeno estádio, o Moor Lane com capacidade para apenas 1400 espetadores. Depois da excelente década protagonizada pelo clube, o objetivo seria entrar na nova década com o mesmo sucesso, para isso era necessário restaurar o Estádio que estava em péssimas condições, os jogadores e restantes dirigentes encarregaram-se disso, o Estádio cumpria os requisitos mínimos e o Salford foi aceite na Chesire League em 1980. 

Durante a década, o Salford não foi capaz de repetir as façanhas de décadas anteriores. O que se encontra digno de registo durante este período foi a final da Manchester County Premier Cup, uma competição anual apenas disputada pelos clubes de Manchester. Na edição de 1989, o Salford perdeu a final diante do Curzon Ashton, nesse mesmo ano, viram cair Amateurs do nome para se passar a chamar Salford City, nome que perdura até aos dias de hoje.

Em 1990, o clube a fazer meio século de vida, as aspirações eram imensas. Participaram pela primeira vez na FA Cup mas sem qualquer brilharete, aliás, o Salford conseguiu mesmo descer de divisão, fazendo com que o "ano de festa" se tornasse um "ano de pesadelo".

Como se viu até aqui, o Salford sempre foi um clube com pouca expressão mesmo apenas falando na cidade de Manchester. A falange de apoio não é forte e até 2012, o clube pouco venceu, aliás, apenas existe registo de uma League Challenge Cup em 2006. De resto, algumas promoções e mais umas quantas derrotas na final da Manchester County Premier Cup. Até que em 2012 tudo muda para tornar o Salford uma futura potência do futebol inglês...

Class of 92, Fergie Babies e outros nomes, é assim que são conhecidos Phil Neville, Nicky Butt, Ryan Giggs, Gary Neville e Paul Scholes que espalharam a sua classe principalmente com a camisola do Manchester United e viram no Salford uma boa oportunidade de investirem e para se reunirem todos em prol de um clube.

É uma compra emocionante. Queremos unir a comunidade do futebol, usar a nossa experiência e conhecimento para ajudar os jovens talentos. Poder fazê-lo no Salford torna tudo mais apaixonante.

Ryan Giggs, na apresentação após a compra de 10% do Salford

Desde 2014, quando jogadores da classe de 92 passaram a ser proprietários do clube, o clube conquistou três acessos em quatro anos. A National League, equivalente à quinta divisão, é a primeira divisão nacional na Inglaterra. Abaixo dela, todas as ligas são regionais. É a última divisão chamada de “non-league”, porque acima dela estão a League Two (quarta divisão), League One (terceira divisão), Championship (segunda divisão) e Premier League (primeira divisão).

Os meus primeiros anos em Manchester foram todos passados em Salford [onde era o centro de estágios do Manchester United]. Eu cresci lá de muitas maneiras, então ser capaz de finalmente unir-me aos rapazes e ao clube é um grande sentimento. O Salford City conseguiu tanto sucesso em um curto período de tempo, os adeptos são incríveis e eu estou empolgado para passar mais tempo em Salford novamente.

David Beckham que foi o último dos jogadores a tornar-se sócio do clube

Os cinco antigos jogadores têm enormes ligações afetivas a Salford. Todos deram os primeiros pontapés no mundo futebolístico nesta cidade, com características pobres e ligações à indústria têxtil, uma vez que o centro de treinos do Manchester United, The Cliff, se encontrava ali e foi onde os red devils treinaram até 2000, antes de se mudarem para Carrington. No caso específico de Giggs e Scholes, aliás, ambos viveram mesmo nesta cidade com as suas famílias. «Todos sabem quão importante Salford é para mim por isso esta é uma aquisição excitante e que encaixa na perfeição naquilo em que acreditamos», afirmou Giggs, sobre este desafio, ao Daily Mirror.

O estádio foi completamente remodelado, de 1400 espetadores passou a ter uma lotação de cerca de 5 mil e, por razões de patrocínio, o Moor Lane também é chamado de Peninsula Stadium.

No caso do Salford, podemos mesmo dizer que o limite é o céu. Com todos os jogadores aqui referidos que compraram as ações do clube e, principalmente, com Peter Lim que possuí bastante experiência no nível de gestão de um clube [muita experiência adquirida no Valência].