Kazuyoshi Miura, o japonês que é o jogador mais velho em atividade
Existem jogador que ficam marcados na história pelos golos que marcam, pelos títulos que conquistam, pelas jogadas que protagonizam. Kazuyoshi (ou simplesmente Kazu) Miura, fica na história por diversos motivos: ter sido o primeiro japonês a marcar no Brasileirão, o primeiro japonês a jogar no principal campeonato italiano e é, neste momento, considerado o jogador mais velho em atividade nos campeonatos profissionais.
Kazu Miura nasceu em Shizouka no ano de 1967 e passados 52 anos ainda continua no ativo a jogar ao serviço do Yokohama FC da segunda divisão japonesa mas recuemos ao início, a onde tudo começou. Miura começou por dar os primeiros toques da bola na sua cidade natal, sempre teve o sonho de ser futebolista e, por isso mesmo, quando cumpria 15 anos, abandona o Japão e ruma ao Brasil para cumprir o seu sonho, o clube que abriu as portas foi o Clube Atlético Juventus de São Paulo. Kazu Miura sempre teve o apoio de seu pai, um conhecido empresário japonês, que decidiu apostar no futuro do seu filho enquanto jogador de futebol através de uma associação que ele próprio criou chamada Associação Nipo-Brasileira de Intercâmbio Futebolístico. A partir de 1982, começou a trazer os aspirantes do Japão ao Brasil, abrindo portas para que pudessem aprender um pouco da arte exibida nos gramados daqui. E o primeiro jogador nesse intercâmbio foi o seu filho.
Ficaria na formação da Juventus até aos 18 anos até que assinaria um contrato com um dos maiores clubes brasileiros: o Santos de Pelé. Era no peixão que Miura cumpria os primeiros jogos oficiais e tornando-se o primeiro japonês a jogar uma partida oficial no Brasil. Sem espaço na equipa, seria emprestado ao Palmeiras, que na altura estava a fazer uma digressão pelo futebol japonês e ao Matsubara (clube brasileiro com forte presença de japoneses na região), neste último não são conhecidos qualquer registos de jogos/golos.
Nunca terei um registo triunfal no país onde é visto o futebol no seu estado mais puro, mais genial, mais brilhante. Em 1987, com 20 anos, é novamente emprestado desta vez ao Clube Regatas Brasil de Alagoas, sendo novamente destaque por ser o primeiro japonês a assinar contrato por um clube do nordeste. Sem grande protagonismo (nenhum golo marcado) seria desta vez cedido ao XV de Jaú e mais um recode: num jogo pelo campeonato paulista, diante do poderoso Corinthians, Kazu Miura marca o seu primeiro golo como jogador profissional e torna-se o primeiro jogador japonês a marcar um golo numa prova oficial do Brasil, com uma maior regularidade ao serviço do Jaú, Kazu Miura mudava-se para Coritiba para jogar o Brasileirão. Mesmo não sendo peça fulcral no clube (poucos registos de jogos a titular), o japonês participou em 46 jogos pelo Coritiba naquele ano tendo conquistado o Campeonato Paranaense. Depois de vários anos a rodar por vários clubes brasileiros, Miura chegaria novamente ao Santos para integrar a primeira equipa. Chegou a participar em 11 jogos pela equipa do Santos e por três vezes balanceou as redes adversárias. Apesar de não ter deixado tantas saudades no futebol brasileiro, abriu portas a que mais jogadores do continente asiático olhassem para o futebol brasileiro com o objetivo de se tornarem jogadores profissionais. O ano de 1990, Miura com 23 anos, abandona o Brasil e regressa ao seu país para começar a construir um legado.
Quando ele começou a se destacar disse, com aquele português arranhado, que queria incentivo, aparecer mais. Eu levei-o para a praia para ver as meninas de biquíni. Ele 'babava-se'. Dei uns binóculos para ele ficar vendo. Na época tinha uma música do Fausto Fawcett sobre biquíni, fio dental, uma coisa bem sensual, e colocamos também. Foi um sucesso danado, divulgou-o para o Brasil inteiro!
Márcio Canuto, jornalista que conviveu com Kazu nos tempos do CRB
Ao mesmo tempo, Kazu brilhava na seleção japonesa. O seu primeiro jogo com a camisola principal do Japão aconteceu em 1990 e, dois anos depois, conquistava o inédito título da Taça da Ásia. Mas o ápice ficou guardado para as Eliminatórias do Campeonato do Mundo 1994. O atacante assinalou nove tentos nas etapas preliminares, até o hexagonal decisivo disputado no Catar. Balançou as redes mais quatro vezes. Os muitos golos marcados durante a qualificação não foram suficientes e o Japão não esteve presente no Mundial de 1994.
O Tokyo Verdy era o próximo destino de Kazuyoshi Miura. Voltou ao país para ajudar a desenvolver o futebol, prestes a se tornar profissional, e a seleção. Virou protagonista num dos maiores clubes do Japão, passando da do lado esquerdo do ataque e ressaltando sua veia goleadora. Do Brasil, além da experiência e do amadurecimento, levou também a alegria das celebrações dos golos, com uma tradicional dancinha – inspirada no jogador brasileiro Careca. Conquistou os dois últimos títulos do Campeonato Japonês antes da profissionalização e se afirmou como craque na primeira edição da J-League, em 1993. Marcado por 20 vezes em 36 partidas na campanha vitoriosa. Durante os primeiros quatro anos no Japão após o regresso do Brasil, Miura conquistou por duas vezes o campeonato para... nunca mais conquistar. Com uma época de menor fulgor no Japão, Miura é emprestado ao Génova de Itália para aumentar a popularidade do jogador japonês na Europa. Tornou-se o primeiro japonês a entrar em campo na Serie A, uma das ligas mais fortes, se não a mais forte, do mundo naquela época. Contudo, a época não correu como Miura esperava, logo na partida de estreia, tem um embate forte diante do defesa italiano Baresi, fraturando o nariz. Fazendo com que fosse suplente utilizado durante a maior parte da temporada, marcou apenas um golo, justamente no clássico diante da Sampdoria. Independentemente disso, sublinhou seu papel como embaixador do futebol asiático ao resto do planeta.
Regressaria ao Tokyo Verdy no final do empréstimo onde ficaria por mais quatro anos marcando muitos golos e afirmando-se cada vez mais como o melhor jogador japonês da altura começando a ser idolatrado pelos adeptos como King Kazu, isto porque a faturar golos na seleção japonesa. Os nipónicos começaram a bater de frente contra seleções europeias e latino-americanas, com o astro liderando vitórias sobre adversários como Uruguai, México, Equador, Croácia, etc. E quando surgiu uma segunda oportunidade de disputar um Mundial, o Kazu Miura esforçou-se. Foi ainda mais destrutivo nas Eliminatórias, marcando por 14 vezes – o ponto alto foi diante do Uzbequistão onde Kazu marcou por quatro vezes. E estava em campo para desfrutar do jogo-extra em que os Samurais Azuis derrotaram o Irão por três bolas a duas, com um golo de ouro no segundo tempo da prolongamento. O país comemorou pela primeira vez a classificação a um Mundial e "King Kazu" iria cumprir o sonho de disputar um Mundial com a sua seleção.
Todavia, e um choque para todos os japoneses, Kazu não foi convocado para o Mundial de 1998. Chegou a estar, mas acabou sendo 'cortado' em maio, numa decisão bastante contestada (e até hoje considerada inexplicável) do técnico Takeshi Okada. Diante da fraca participação na França, o comandante acabou demitido. E, aos 31 anos, o atacante fez apenas mais algumas aparições esparsas na equipe nacional. Encerrou sua trajetória com 55 golos em 89 jogos. Uma mancha enorme na carreira.
A nível de clubes e após um Mundial visto a partir de casa, Miura prepara novamente o regresso à Europa, desta vez viaja até à Croácia para vestir a camisola do Dinamo de Zagreb. Corria o ano de 1999, um jogador mais maduro que entrou em campo por 12 vezes, sem conseguir marcar qualquer golo mas sagrando-se campeão nacional croata.
Terminando a época na Europa sem deixar boas impressões, Miura tem guia de marcha para voltar ao seu país, desta vez não regressa ao Tokyo Verdy, assina por um novo clube, o Kyoto Sanga e mais tarde pelo Vissel Kobe mas já sem o mesmo protagonismo de edições anteriores (nunca mais marcou mais de 20 golos num ano) até que em 2005 assina pelo Yokohama com 37 anos para nunca mais sair de forma definitiva e onde atua desde então. Neste mesmo ano, teve uma rápida passagem pelo Sydney FC, compondo ataque ao lado de Dwight Yorke, uma das maiores estrelas do Manchester United. Disputou o Mundial de Clubes com a camisola dos australianos marcando por duas vezes. A partir de então, defendeu apenas as cores do Yokohama. Ajudou o clube no acesso à primeira divisão da J-League em 2006, permanecendo por uma temporada. E, apesar da realidade modesta da segunda divisão durante a maior parte do tempo, Kazu Miura não se afastou do cognome de lenda. Pelo contrário, apenas o renova, ano a ano.
Com a mancha na carreira de ver um Mundial negado... em 2012, o Yokohama FC emprestou Kazu ao Espolada Hokkaido, da liga japonesa de futsal. O objetivo era "ganhar experiência" para participar do Mundial da Tailândia pela Seleção Japonesa de Futsal. Foi convocado para o Mundial (tendo inclusive marcado um golo num amigável diante de uma das seleções mais fortes do mundo, o Brasil) e já no Mundial após ter entrado em campo na partida em que o Japão foi derrotado por 4-1, novamente frente ao Brasil, Kazu se tornou o jogador mais velho a atuar em um Mundial da modalidade. Mais um recorde de longevidade para o japonês.
Em 2016, contra o Cerezo Osaka, tornou-se, aos 49 anos, o jogador mais velho a marcar gol num jogo oficial, ao serviço do Yokohama FC. Na ocasião, o Yokohama venceu por 3-2, partida válida pela J-League 2. O recorde anterior era, claro está, do próprio Kazuyoshi Miura.
Em 2017, quando fez 50 anos, deu algumas entrevistas sobre o facto de permanecer tanto tempo ligado ao futebol. A vontade de fazer o seu melhor e vencer. Enquanto as pernas ainda aguentarem, ele estará lá, de chuteiras.
Já cansei de falar o quanto eu amo o futebol. Desde criança era a única coisa que eu fazia. Pretendo ficar na ativa enquanto o meu corpo e minha paixão permitirem. Estar em campo aos 50 anos junto com meus companheiros é uma alegria muito grande. Acho que vou tentar seguir assim até aos 60.
Kazu Miura, durante as homenagens de meio século
Ainda durante o ano de 2017, Kazu entrou para a história do futebol mundial, tornando-se o jogador mais velho da história a jogar profissionalmente uma partida de futebol profissional. Kazu entrou em campo com 50 anos e sete dias, 48 horas mais velho que o antigo detentor do recorde, o inglês Stanley Matthews, que havia estabelecido o recorde em 1965. Sobre este recorde e a comparação com Stanley Matthews, Kazu tem uma declaração curiosa.
Não sinto que ultrapassei uma lenda como Stanley Matthews. Posso apenas o ter superado em termos de longevidade, mas nunca vou ser capaz de igualar as suas estatísticas e a sua carreira.
Kazu Miura, 50 anos, após ter jogado uma partida profissional
No início deste ano, o seu clube, Yokohama FC anunciou a renovação do contrato por mais um ano, ou seja, ainda teremos Miura a competir até ao final de 2020 e a jogar no principal escalão do futebol daquele país. O Yokohama entra em jogo, para o campeonato, já no final do mês de fevereiro e a expecativa é muita para ver o que o King Kazu conseguirá fazer. Uma coisa é certa: certamente vai quebrar o seu próprio recorde de jogador mais velho a disputar uma partida profissional e, provavelmente, também conseguirá quebrar também o seu recorde de jogador mais velho a marcar um golo. Kazuyoshi Miura, um exemplo de longevidade no futebol nunca antes visto.