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Terceiro Tempo

"Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola." - Nelson Rodrigues

Terceiro Tempo

"Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola." - Nelson Rodrigues

Kazuyoshi Miura, o japonês que é o jogador mais velho em atividade

25.02.20, Terceiro Tempo

Existem jogador que ficam marcados na história pelos golos que marcam, pelos títulos que conquistam, pelas jogadas que protagonizam. Kazuyoshi (ou simplesmente Kazu) Miura, fica na história por diversos motivos: ter sido o primeiro japonês a marcar no Brasileirão, o primeiro japonês a jogar no principal campeonato italiano e é, neste momento, considerado o jogador mais velho em atividade nos campeonatos profissionais.

Kazu Miura nasceu em Shizouka no ano de 1967 e passados 52 anos ainda continua no ativo a jogar ao serviço do Yokohama FC da segunda divisão japonesa mas recuemos ao início, a onde tudo começou. Miura começou por dar os primeiros toques da bola na sua cidade natal, sempre teve o sonho de ser futebolista e, por isso mesmo, quando cumpria 15 anos, abandona o Japão e ruma ao Brasil para cumprir o seu sonho, o clube que abriu as portas foi o Clube Atlético Juventus de São Paulo. Kazu Miura sempre teve o apoio de seu pai, um conhecido empresário japonês, que decidiu apostar no futuro do seu filho enquanto jogador de futebol através de uma associação que ele próprio criou chamada Associação Nipo-Brasileira de Intercâmbio Futebolístico. A partir de 1982, começou a trazer os aspirantes do Japão ao Brasil, abrindo portas para que pudessem aprender um pouco da arte exibida nos gramados daqui. E o primeiro jogador nesse intercâmbio foi o seu filho.

Ficaria na formação da Juventus até aos 18 anos até que assinaria um contrato com um dos maiores clubes brasileiros: o Santos de Pelé. Era no peixão que Miura cumpria os primeiros jogos oficiais e tornando-se o primeiro japonês a jogar uma partida oficial no Brasil. Sem espaço na equipa, seria emprestado ao Palmeiras, que na altura estava a fazer uma digressão pelo futebol japonês e ao Matsubara (clube brasileiro com forte presença de japoneses na região), neste último não são conhecidos qualquer registos de jogos/golos.

Nunca terei um registo triunfal no país onde é visto o futebol no seu estado mais puro, mais genial, mais brilhante. Em 1987, com 20 anos, é novamente emprestado desta vez ao Clube Regatas Brasil de Alagoas, sendo novamente destaque por ser o primeiro japonês a assinar contrato por um clube do nordeste. Sem grande protagonismo (nenhum golo marcado) seria desta vez cedido ao XV de Jaú e mais um recode: num jogo pelo campeonato paulista, diante do poderoso Corinthians, Kazu Miura marca o seu primeiro golo como jogador profissional e torna-se o primeiro jogador japonês a marcar um golo numa prova oficial do Brasil, com uma maior regularidade ao serviço do Jaú, Kazu Miura mudava-se para Coritiba para jogar o Brasileirão. Mesmo não sendo peça fulcral no clube (poucos registos de jogos a titular), o japonês participou em 46 jogos pelo Coritiba naquele ano tendo conquistado o Campeonato Paranaense. Depois de vários anos a rodar por vários clubes brasileiros, Miura chegaria novamente ao Santos para integrar a primeira equipa. Chegou a participar em 11 jogos pela equipa do Santos e por três vezes balanceou as redes adversárias. Apesar de não ter deixado tantas saudades no futebol brasileiro, abriu portas a que mais jogadores do continente asiático olhassem para o futebol brasileiro com o objetivo de se tornarem jogadores profissionais. O ano de 1990, Miura com 23 anos, abandona o Brasil e regressa ao seu país para começar a construir um legado.

Quando ele começou a se destacar disse, com aquele português arranhado, que queria incentivo, aparecer mais. Eu levei-o para a praia para ver as meninas de biquíni. Ele 'babava-se'. Dei uns binóculos para ele ficar vendo. Na época tinha uma música do Fausto Fawcett sobre biquíni, fio dental, uma coisa bem sensual, e colocamos também. Foi um sucesso danado, divulgou-o para o Brasil inteiro!

Márcio Canuto, jornalista que conviveu com Kazu nos tempos do CRB

Ao mesmo tempo, Kazu brilhava na seleção japonesa. O seu primeiro jogo com a camisola principal do Japão aconteceu em 1990 e, dois anos depois, conquistava o inédito título da Taça da Ásia. Mas o ápice ficou guardado para as Eliminatórias do Campeonato do Mundo 1994. O atacante assinalou nove tentos nas etapas preliminares, até o hexagonal decisivo disputado no Catar. Balançou as redes mais quatro vezes. Os muitos golos marcados durante a qualificação não foram suficientes e o Japão não esteve presente no Mundial de 1994.

O Tokyo Verdy era o próximo destino de Kazuyoshi Miura. Voltou ao país para ajudar a desenvolver o futebol, prestes a se tornar profissional, e a seleção. Virou protagonista num dos maiores clubes do Japão, passando da do lado esquerdo do ataque e ressaltando sua veia goleadora. Do Brasil, além da experiência e do amadurecimento, levou também a alegria das celebrações dos golos, com uma tradicional dancinha – inspirada no jogador brasileiro Careca. Conquistou os dois últimos títulos do Campeonato Japonês antes da profissionalização e se afirmou como craque na primeira edição da J-League, em 1993. Marcado por 20 vezes em 36 partidas na campanha vitoriosa. Durante os primeiros quatro anos no Japão após o regresso do Brasil, Miura conquistou por duas vezes o campeonato para... nunca mais conquistar. Com uma época de menor fulgor no Japão, Miura é emprestado ao Génova de Itália para aumentar a popularidade do jogador japonês na Europa. Tornou-se o primeiro japonês a entrar em campo na Serie A, uma das ligas mais fortes, se não a mais forte, do mundo naquela época. Contudo, a época não correu como Miura esperava, logo na partida de estreia, tem um embate forte diante do defesa italiano Baresi, fraturando o nariz. Fazendo com que fosse suplente utilizado durante a maior parte da temporada, marcou apenas um golo, justamente no clássico diante da Sampdoria. Independentemente disso, sublinhou seu papel como embaixador do futebol asiático ao resto do planeta.

Regressaria ao Tokyo Verdy no final do empréstimo onde ficaria por mais quatro anos marcando muitos golos e afirmando-se cada vez mais como o melhor jogador japonês da altura começando a ser idolatrado pelos adeptos como King Kazu, isto porque a faturar golos na seleção japonesa. Os nipónicos começaram a bater de frente contra seleções europeias e latino-americanas, com o astro liderando vitórias sobre adversários como Uruguai, México, Equador, Croácia, etc. E quando surgiu uma segunda oportunidade de disputar um Mundial, o Kazu Miura esforçou-se. Foi ainda mais destrutivo nas Eliminatórias, marcando por 14 vezes – o ponto alto foi diante do Uzbequistão onde Kazu marcou por quatro vezes. E estava em campo para desfrutar do jogo-extra em que os Samurais Azuis derrotaram o Irão por três bolas a duas, com um golo de ouro no segundo tempo da prolongamento. O país comemorou pela primeira vez a classificação a um Mundial e "King Kazu" iria cumprir o sonho de disputar um Mundial com a sua seleção.

Todavia, e um choque para todos os japoneses, Kazu não foi convocado para o Mundial de 1998. Chegou a estar, mas acabou sendo 'cortado' em maio, numa decisão bastante contestada (e até hoje considerada inexplicável) do técnico Takeshi Okada. Diante da fraca participação na França, o comandante acabou demitido. E, aos 31 anos, o atacante fez apenas mais algumas aparições esparsas na equipe nacional. Encerrou sua trajetória com 55 golos em 89 jogos. Uma mancha enorme na carreira.

A nível de clubes e após um Mundial visto a partir de casa, Miura prepara novamente o regresso à Europa, desta vez viaja até à Croácia para vestir a camisola do Dinamo de Zagreb. Corria o ano de 1999, um jogador mais maduro que entrou em campo por 12 vezes, sem conseguir marcar qualquer golo mas sagrando-se campeão nacional croata.

Terminando a época na Europa sem deixar boas impressões, Miura tem guia de marcha para voltar ao seu país, desta vez não regressa ao Tokyo Verdy, assina por um novo clube, o Kyoto Sanga e mais tarde pelo Vissel Kobe mas já sem o mesmo protagonismo de edições anteriores (nunca mais marcou mais de 20 golos num ano) até que em 2005 assina pelo Yokohama com 37 anos para nunca mais sair de forma definitiva e onde atua desde então. Neste mesmo ano, teve uma rápida passagem pelo Sydney FC, compondo ataque ao lado de Dwight Yorke, uma das maiores estrelas do Manchester United. Disputou o Mundial de Clubes com a camisola dos australianos marcando por duas vezes. A partir de então, defendeu apenas as cores do Yokohama. Ajudou o clube no acesso à primeira divisão da J-League em 2006, permanecendo por uma temporada. E, apesar da realidade modesta da segunda divisão durante a maior parte do tempo, Kazu Miura não se afastou do cognome de lenda. Pelo contrário, apenas o renova, ano a ano.

Com a mancha na carreira de ver um Mundial negado... em 2012, o Yokohama FC emprestou Kazu ao Espolada Hokkaido, da liga japonesa de futsal. O objetivo era "ganhar experiência" para participar do Mundial da Tailândia pela Seleção Japonesa de Futsal. Foi convocado para o Mundial (tendo inclusive marcado um golo num amigável diante de uma das seleções mais fortes do mundo, o Brasil) e já no Mundial após ter entrado em campo na partida em que o Japão foi derrotado por 4-1, novamente frente ao Brasil, Kazu se tornou o jogador mais velho a atuar em um Mundial da modalidade. Mais um recorde de longevidade para o japonês.

Em 2016, contra o Cerezo Osaka, tornou-se, aos 49 anos, o jogador mais velho a marcar gol num jogo oficial, ao serviço do Yokohama FC. Na ocasião, o Yokohama venceu por 3-2, partida válida pela J-League 2. O recorde anterior era, claro está, do próprio Kazuyoshi Miura.

Em 2017, quando fez 50 anos, deu algumas entrevistas sobre o facto de permanecer tanto tempo ligado ao futebol. A vontade de fazer o seu melhor e vencer. Enquanto as pernas ainda aguentarem, ele estará lá, de chuteiras.

Já cansei de falar o quanto eu amo o futebol. Desde criança era a única coisa que eu fazia. Pretendo ficar na ativa enquanto o meu corpo e minha paixão permitirem. Estar em campo aos 50 anos junto com meus companheiros é uma alegria muito grande. Acho que vou tentar seguir assim até aos 60.

Kazu Miura, durante as homenagens de meio século

Ainda durante o ano de 2017, Kazu entrou para a história do futebol mundial, tornando-se o jogador mais velho da história a jogar profissionalmente uma partida de futebol profissional. Kazu entrou em campo com 50 anos e sete dias, 48 horas mais velho que o antigo detentor do recorde, o inglês Stanley Matthews, que havia estabelecido o recorde em 1965. Sobre este recorde e a comparação com Stanley Matthews, Kazu tem uma declaração curiosa.

Não sinto que ultrapassei uma lenda como Stanley Matthews. Posso apenas o ter superado em termos de longevidade, mas nunca vou ser capaz de igualar as suas estatísticas e a sua carreira.

Kazu Miura, 50 anos, após ter jogado uma partida profissional

No início deste ano, o seu clube, Yokohama FC anunciou a renovação do contrato por mais um ano, ou seja, ainda teremos Miura a competir até ao final de 2020 e a jogar no principal escalão do futebol daquele país. O Yokohama entra em jogo, para o campeonato, já no final do mês de fevereiro e a expecativa é muita para ver o que o King Kazu conseguirá fazer. Uma coisa é certa: certamente vai quebrar o seu próprio recorde de jogador mais velho a disputar uma partida profissional e, provavelmente, também conseguirá quebrar também o seu recorde de jogador mais velho a marcar um golo. Kazuyoshi Miura, um exemplo de longevidade no futebol nunca antes visto.

Forest Green Rovers, o primeiro clube 100% vegan

18.02.20, Terceiro Tempo

Existem imensas histórias de clubes que nos deixam com mais vontade de pesquisar e saber mais. Depois de termos vistos um grupo de fãs de Championship Manager fundar um clube chamado FC Tó Madeira, de um espanhol que se tornou presidente de um clube e o chamou de Flat Earth FC (terraplanista), na rubrica de hoje de Clubes Alternativos falamos do Forest Green Rovers, clube que milita nos escalões secundários de Inglaterra mas que foi notícia em todo o mundo por algo muito especial: tornou-se o primeiro clube 100% vegano do mundo para além de outras medidas em prol da natureza.

Em Inglaterra existe um clube que tem dado que falar, o Forest Green Rovers é o primeiro clube 100% vegano e os jogadores não se importam com isso. Mas vamos entender o começo de toda esta história que tudo começa devido a Dale Vince, um industrial britânico de "energia verde".

O Forest Green Rovers, sediado na pequena vila de Nailsworth, é um dos clubes mais antigos do mundo com 130 anos. Nos últimos dez anos tem vivido uma história bem diferente dos seus antepassados. Quando o Forest Green e Dale Vince se encontraram, a vida dos adeptos, jogadores e do próprio clube mudou para sempre.

Dale Vince é um britânico, conhecido por ser um homem de negócios, dono da empresa de segurança Ecotricity. Em 2010, tornou-se sócio maioritário do Forest Green Rovers e três meses mais tarde foi nomeado presidente do clube.

Após essa data, e sendo Dale Vince vegano, tentou trazer as decisões da vida pessoal para a vida do clube, mas de uma forma controlada. Em 2011, por exemplo, tomou a primeira medida mais drástica: baniu todos os jogadores do clube de comerem carnes vermelhas por razões de saúde e, semanas mais tarde, baniu todas as carnes para os jogadores e adeptos deixando apenas no menu opções vegetarianas e de peixes (provenientes de unidades populacionais sustentáveis). Até que em 2015, o Forest Green tornou-se o primeiro clube do mundo com opções apenas veganas.

A indústria da carne e lacticínios é responsável por mais emissões [de dióxido de carbono] do que todos os aviões, comboios, carros e barcos existentes no planeta. Só na Grã-Bretanha, em cada ano são mortos mais de mil milhões de animais – três milhões por dia – e nem sequer estou a contabilizar o peixe. Cada um destes animais tem uma vida curta e penosa e cada um deles consome mais comida do que aquela que os seus corpos nos fornecem.

Dale Vince, sustentando a decisão de retirar carne animal do recinto

Mas antes dessas políticas, Dale Vince foi apostando noutros setores, não apenas no fator alimentar. Toda a energia das instalações do clube vem de recursos naturais, sendo parte dela gerada pelos painéis solares do estádio. Também se preocupam com a poluição, o estacionamento não tem muitos lugares e os que tem são reservados a carros elétricos, possuíem ainda vários carregadores de bateria elétrica.

Livre de pesticidas e herbicidas, a relva é adubada com algas marinhas. Para cortá-la, é usado um cortador de relva elétrico direcionado por GPS, alimentado por energia aproveitada do sol. Já a água da chuva é usada para a irrigação do solo.

As medidas ainda não terminaram, a camisola do clube para esta temporada conta com metade do material da camisa a ser produzido com uma mistura de bambu, reduzindo o uso de plástico. As camisolas de jogo exibem o logótipo da ONG Sea Shepherd, que trabalha na proteção dos seres marinhos. Na parte da frente, aparece ainda a empresa "Ecotricity" da qual Dale Vince é dono.

O limite é o céu, as ideias que Dale Vince tem para o clube ainda são muitas. Existem novos projetos que o dono do clube tem em mente, por exemplo o clube da quarta divisão já teve autorização para construir um novo estádio. Terá capacidade para cinco mil pessoas e será quase todo feito de madeira.

Alguns jogadores e funcionários não aceitaram muito bem a opção do clube pois consideravam vitais para si o consumo de carne durante os estágios do clube, apesar dos problemas Dale Vince decidiu levar a medida avante: «começámos, de forma regular, a mostrar-lhes toda esta nova realidade. Na verdade, a alimentação que oferecíamos já era, em grande medida, vegana». Os jogadores possuíem um nutricionista para ajudar nos momentos que não estão no clube, Dale Vince afirma que os jogadores não têm qualquer restrição e se quiserem podem comer pratos de origem animal, mas ainda assim admite que a maioria dos jogadores não o faz e que adotou a medida do clube para a sua vida pessoal.

O clube começou a colher os frutos das mudanças nos últimos anos e alcançou a quarta divisão na temporada passada. O sonho de Vince é, num período de cinco anos, levar o Forest Green da quarta divisão até ao Championship (segunda divisão inglesa) e fazer com que as pessoas comecem a questionar sobre os problemas ambientais no mundo.

Antonio Cassano, o Fantantonio que não quis ser fantástico

08.02.20, Terceiro Tempo

O italiano Antonio Cassano é um exemplo vivo de que apenas talento não chega para um jogador se manter no topo. É necessário estabilidade, maturidade e ser rigoroso nos treinos. Infelizmente, todo o talento que Cassano tinha ficou ofuscado pelas peripécias que o avançado foi tendo ao longo da sua vasta carreira. Apesar de tudo, o Fantantonio - o Fantástico Antonio como ficou batizado pelos adeptos do Bari - jogou nos principais clubes de Milão e com passagens pelo Real Madrid. O que é certo é que deu sempre a entender que podia ter mostrado (bem) mais que aquilo que demonstrou.

Antonio Cassano nasceu no dia 12 de julho de 1982 em Bari crescendo num dos bairros mais rústicos da cidade, o Bari Vecchia e desde muito cedo sempre foi visto pelos mais próximos como um "menino rebelde". Abandonado pelo seu pai, foi apenas a mãe de Cassano que ficou encarregue da sua educação. Com o passar do tempo e já com um apetite para a bola, Cassano divertia-se a partir faróis dos carros e a conduzir uma moto sem carta, estas acções valeram-lhe algumas detenções.

Para completar o segundo parágrafo:  A paixão pelo futebol desenvolveu-se nas ruas do seu bairro onde desde cedo foi desenvolvendo a grande capacidade técnica que possui e a rebeldia que o caracteriza.

Cassano começa a sua carreira futebolística ao serviço do clube da sua cidade, o Bari, em 1997, depois de ter sido rejeitado de todos os outros clubes de menor expressão da cidade. Um diamante em bruto era o que apelidavam os dirigentes do clube italiano na altura. Cassano destacou-se tanto ao serviço dos juvenis que aos 17 anos estreava-se na equipa principal do Bari, num jogo diante do Lecce, que a equipa de Cassano viria a perder por uma bola a zero. Mesmo com a derrota, Cassano destacou-se e no jogo seguinte mereceu a confiança do treinador para iniciar o jogo a titular e deu resultado: Cassano marcou o golo da vitória, muito perto do final do jogo, frente ao Inter. Um golo que fica na memória de todos os apaixonantes do futebol, com apenas 17 anos, Cassano revela uma frieza impressionante na hora de rematar à baliza (pode consultar o golo clicando AQUI). Entre o jovem de 17 anos e a baliza estavam nada mais, nada menos como o Campeão do Mundo Laurent Blanc e os internacionais italianos Panucci e Angelo Peruzzi.

As boas exibições e o facto de ser evoluído tecnicamente levaram os adeptos a chamarem Cassano de “Il Pibe de Bari” em clara alusão ao “Il Pibe de Oro”, alcunha de Diego Armando Maradona. Apesar da tenra idade, Cassano era o melhor jogador da equipa do Bari e sempre em evidência porém, na sua última época, não foi capaz de evitar a descida de divisão do clube. Esta descida, em 2001, precoce do Bari levou Cassano a deixar o seu primeiro clube e rumar à Roma, que tinha acabado de conquistar o scudetto, por 30 milhões de euros. A transferência fez dele o jovem mais caro do mundo.

A capital italiana fez bem em Cassano porque protagonizou juntamente com Francesco Totti uma das duplas mais temíveis do continente europeu. Na sua primeira época, conquistou a Supertaça Italiana e terminou a época com seis golos em trinta partidas realizadas e um prémio individual, o de melhor jogador da Serie A. Os anos seguintes de Roma ao peito foram complicados fora dos relvados, tudo porque Cassano era uma pessoa com um caráter forte, confiante e que “explodia” com facilidade. Existem vários episódios durante a sua estadia em Roma que são situações que mancharam um pouco a sua passagem pelo clube romano. Foram várias as vezes que entrou em conflito com os treinador, nomeadamente com Fabio Capello ao qual disse que «Capello era mais falso que as notas do Monopólio», o que levou o técnico a usar o termo “cassanata” para se dirigir ao atacante (que até entrou na lista de vocábulos da enciclopédia). O termo é usado para definir pessoas com atitudes explosivas e amalucadas, eternizadas por Cassano. Outro exemplo de “cassanata” é um clássico disputado entre Roma e Milan, Cassano após ser expulso na final da Taça de Itália, não contente com a decisão fez um gesto de chifres em direção ao árbitro Roberto Rosetti.

Polémicas à parte, Cassano teve uma passagem de quatro anos triunfal na capital. Foram 161 jogos e 52 golos que, apesar de não ter conquistado nenhum campeonato, formou uma dupla letal com Totti. Existia sintonia entre os dois, percebiam os movimentos de cada um, tendo mesmo Cassano sido considerado por Totti como o melhor companheiro de ataque que alguma vez teve. Mesmo com Totti existiram algumas problemas e brigas confirmados pelo próprio Cassano numa entrevista ao jornal espanhol Marca «Faltei com respeito a ele e deixamos de nos falar por dois anos».

Como cada vez maiores divergências e a recusa de Fantantonio em querer renovar com o clube, a Roma decidiu vender o jogador italiano por apenas 5,5 milhões de euros ao Real Madrid, em janeiro de 2006. Um prejuízo enorme porque havia custado 30 milhões há cinco anos atrás e estava, naquele momento, no auge da sua carreira. Os adeptos da Roma tinham de se confortar com a partida de um ídolo e os adeptos do Real Madrid estavam na expectativa para ver o que poderia trazer Cassano a um clube que contatava com Figo, David Beckham, Zidane, Raul, etc. Se iriam ver um Cassano trabalhador, parecido com aquele dos primeiros anos de Roma, ou um Cassano mais inconstante e fraco mentalmente. Infelizmente para Cassano e para a afición madridista, apenas tiveram a pior versão de Cassano. A sua estadia em Madrid até que começou pela positiva, uma vez que entrara no segundo tempo contra o Bétis, para a Taça do Rey e marcou o golo da vitória. No entanto, o que mais se viu foi um Cassano displicente, bem acima do peso, que chegou a ganhar o apelido de “El Gordito”. Em meia época ao serviço do Real Madrid em 17 jogos marcou apenas 2 golos e para pior a situação na época seguinte o Real Madrid contratou para treinador… Fabio Capello, treinador que tinha tido imensas zangas no seu período na Roma.

Em clara fora de forma e com vários quilos a mais, Cassano partiu para a nova época disposto a melhorar a sua atitude e até melhorou sua forma física para agradar ao treinador e, consequentemente, receber mais chances, mas não adiantou muita coisa. Cassano, na sua biografia, afirmou que apenas viveu em hotéis na capital espanhola e era viciado em sexo. «Convidava várias amigas praticamente todos os dias e ainda para mais o gerente do hotel era meu amigo e trazia-me sempre três a quatro croissants todas as manhãs. Comida e sexo era a combinação perfeita», afirmou Cassano. A gota de água foi quando uma emissora espanhola apanhou Cassano a imitar e fazendo pouco de Capello. Depois desse episódio, nunca mais jogou com a camisola do Real Madrid. Foi posto de lado e com guia de marcha do clube. Ao todo, em um ano e meio, o italiano jogou por 29 vezes e marcou 4 golos, não deixou saudade em Madrid.

Cassano toda uma decisão sábia e diz que o regresso a Itália seria o melhor para si e para voltar às boas exibições. O Real Madrid aceita emprestar o jogador à Sampdoria num empréstimo que engloba uma possível cláusula de compra caso Antonio Cassano tivesse boas prestações de apenas 3,3 milhões de euros. Na sua primeira temporada na turma da Samp, Cassano mostrou que havia colocado a cabeça no lugar e recuperado o seu futebol. Não à toa, a Sampdoria contratou-o em definitivo, em maio de 2008. Na época seguinte, formou uma dupla de ataque consistente com Giampaolo Pazzini que conduziu a Sampdoria à final da Taça, que perderam na marcação de grandes penalidades com Cassano a falhar um dos penalties.

Tudo corria de feição a Cassano nos anos de Sampdoria e arrancou a época de 2009/10 em grande estilo talvez também muito influenciado por ser ano de Campeonato do Mundo e Cassano queria estar presente, visto que tinha falado o Mundial de 2006, devido aos problemas no Real Madrid, Mundial esse onde a Itália sagrou-se campeã. Cassano estava motivado para fazer uma grande época. Esta temporada também retrata um belo momento, um reencontro com o ‘seu’ Bari, onde tudo começou… O atacante acabou mesmo por marcar e não comemorou o golo, arrancando aplausos do público afeto ao Bari. No final do campeonato, Cassano e a Sampdoria terminam no quatro lugar que dava acesso ao playoff da Liga dos Campeões (que viria a ser falhada visto que sucumbiram perante ao Werder Bremen).

Com o excelente resultado da Sampdoria no campeonato e com uma época no panorama individual bem conseguida por Cassano, havia muita pressão por parte dos adeptos e da imprensa local para convocar o jogador para o Mundial 2010 realizado na África do Sul. Marcello Lippi, então selecionador italiano na altura, não cedeu às pressões e Cassano viu o campeonato a partir de casa… e ainda bem. A Itália foi um fracasso nesse Mundial.

Muito da estabilidade fora dos relvados que Cassano conheceu ao serviço do clube de Génova muito se deve à sua mulher, Carolina Marcialis, conhecida jogadora de futebol aquático. Em altura de campeonato do Mundo, Cassano estava a casar-se com Carolina numa igreja cristã com um aparte: Cassano várias vezes admitiu ser ateu mas que não o impediu de casar pela igreja cristã cumprindo assim o desejo de Carolina. Juntos têm dois filhos: Cristopher e Lionel, este último é obviamente uma homenagem a Lionel Messi, jogador do Barcelona e pelo qual Cassano nutre um grande respeito.

Com toda a estabilidade pessoal e profissional, Cassano tinha tudo para arrancar o ano de 2010 da melhor maneira possível. Estava num clube que gostava e que os adeptos começaram-no a ver como um ídolo mas, logo em outubro de 2010, uma guerra acessa com o presidente do clube, Ricardo Garrone, levou com que fosse vendido logo quando o reabrisse o mercado (em janeiro). De acordo com um comunicado feito pelo presidente do clube dizia que «Antonio Cassano teve um comportamento grosseiramente ofensivo e desrespeitoso contra o presidente». A diretoria do clube, após esse incidente, pediu mesmo à Federação o encerramento do contrato do jogador, mas viu o pedido ser negado pelo tribunal. Nem mesmo os pedidos de desculpa de Cassano chegaram para demover o presidente. Estando encostado na Sampdoria, Cassano chamou atenção do colosso AC Milan. Em janeiro de 2011, o jogador mudou-se para Milão com um contrato válido por três temporadas. O valor da transferência? Uns meros 1,7 milhões de euros.

Os primeiros meses com a camisola do AC Milan vestida foram alucinantes, Cassano marcou contra dois de seus ex-clubes (Bari e Sampdoria); fez um golo e foi expulso num intervalo de 11 minutos no dérbi contra a Inter; foi campeão italiano pela primeira vez graças a um empate sem golos frente à Roma; viu a Sampdoria ser rebaixada à Serie B; em julho conquistou o seu segundo título pelo clube milanês, a Supertaça; e sofreu um AVC após uma partida frente à Roma, no Olímpico. Ele precisou passar por procedimento cirúrgico, em novembro de 2011, e só voltou aos relvados em abril do ano seguinte, cinco meses depois do infortúnio. Já recuperado do acidente vascular cerebral, que foi causado por um problema cardíaco, Cassano foi escolhido pelo técnico Cesare Prandelli para defender a Itália no Euro 2012 usando a camisola lendária número 10. Foi fulcral para a excelente caminhada até à final por parte dos italianos sucumbindo apenas diante da poderosíssima Espanha por 4-0. Cassano começou os seis jogos do Euro como titular. Foi a única vez na carreira em que Fantantonio teve presença regular na Nazionale.

Os dois anos de AC Milan, mesmo com as conquistadas, não foram tão boas para Cassano do ponto de vista individual. O “Fantástico Antonio” via com bons olhos a saída do clube milanês. O AC Milan estava interessado em Pazzini, do Inter de Milão, para ocupar a vaga de Cassano e juntou-se o útil ao agradável. Os grandes de Milão fizeram uma troca de jogadores, com o Inter a pagar ainda 5 milhões pela transferência do jogador. Aqui, soube-se que Cassano era adepto fanático do Inter, e talvez por isso, teve de imediato o apoio dos adeptos e sendo muito mais prestativo e combativo em campo do que aquilo que era noutros clubes. Cassano realizou uma temporada interessante com 10 golos marcados e 15 assistências, os últimos meses foram atribulados porque, mais uma vez, teve uma zanga séria com o treinador, Andrea Stramaccioni, que chegou mesmo a considerar o treinador «como a pior pessoa com que eu entrei em contato no mundo do futebol». Mais uma vez, teria guia de marcha no final da época. O clube que se seguia era o Parma pelo qual assinou um contrato de três anos.

Em visível fraca forma física, Cassano fez um regime mais rigoroso e emagreceu 10 quilos. Terminou a época com quase 40 jogos nas pernas, 12 golos e 8 assistências fazendo com que o Parma terminasse no honroso sexto lugar. Chegou ainda aos 100 golos na Serie A, marcando o golo da vitória diante do Bologna. Devido aos graves problemas económicos no Parma, a vaga da Liga Europa foi perdida e Cassano rescinde o contrato com o clube devido a pagamentos em atraso: «Estava cansado e decidi deixar o clube. Perdi 4 milhões de euros em salários aqui, mas o dinheiro não é o problema. Não fiz isso por mim, pois há pessoas que ganham muito menos do que eu e não receberam um euro em sete meses».

Estando num clube de menor expressão esperava-se que o seu período na squadra azzura tivesse terminado mas Cesaro Prandelli via em Cassano uma espécie de trunfo que poderia usar e acabou por convoca-lo para o Mundial de 2014 no Brasil. Não participou da vitória na estreia, contra a Inglaterra, e foi utilizado no segundo tempo dos duelos contra Costa Rica e Uruguai. O desempenho foi abaixo do esperado, assim como o de todos os italianos que entraram em campo no Brasil. Depois do Mundial, o atacante não voltou a ser chamado. De novembro de 2003 a junho de 2014, o Cassano realizou 39 jogos e marcou por 10 vezes com a camisola do seu país.

Sendo um jogador livre, Cassano arranja um novo clube (para a época 2015/16 com 34 anos) que já conhecida muito bem: a Sampdoria. Il Pibe di Bari regressava assim a um clube onde tinha tido os seus melhores momentos enquanto futebolista e com uma grande expectativa por parte dos adeptos, de modo que a venda das camisolas aumentou de forma exponencial. Obviamente, já não era o mesmo Cassano da primeira passagem pelo clube de Génova, mais velho, com menos capacidade de aceleração, o atacante pouco produziu e não teve um efeito positivo na equipa. O presidente na temporada seguinte não contava com o jogador mas, pelo que Cassano representava para o clube e massa associativa, propôs a Cassano um contrato de dirigente abandonando os relvados. Mas estamos a falar de Cassano, o italiano recusou a proposta. Embora estivesse excluído do grupo principal, Cassano não quis saber de deixar o clube: foi treinar com a equipa Primavera. Porém, em janeiro de 2017, rescindiu com a Samp em acordo mútuo e ficou seis meses sem clube. Anunciou que deixaria o futebol mas voltou atrás na decisão porque apareceu o Hellas Verona. Assinou com o clube a 10 julho, mas dias manifestou o desejo de deixar o clube. Assim, rompeu com o clube poucos dias depois. Cassano fica fora de cena e volta a anunciar que a sua carreira como futebolista terminou… E voltou novamente atrás na decisão porque em outubro desse mesmo ano aceitou uma proposta para treinar com a Virtus Entella, da Serie C.

No equivalente ao terceiro escalão português, Cassano queria mostrar que ainda não estaria acabado para o futebol. Treinou durante alguns dias, deu uma conferência de imprensa e disputou um jogo amigável pelo clube de modo a ter um maior entrosamento e forma física. Pouco tempo depois pensou melhor e voltou a decisão de terminar a carreira. E desta foi mesmo de vez. Na despedida, o excêntrico jogador, disse uma das coisas mais acertadas da sua carreira «para jogar bola é necessário paixão e talento, mas, acima de tudo, é preciso de determinação, e eu, neste momento, tenho outras prioridades».

Demos prioridade a enaltecer a carreira de Cassano a contar algumas peripécias que teve pelo meio mas existem muitas mais: disse que se tivesse empenhado mais no futebol poderia ter estado ao mesmo nível que Messi; Chegou atirar uma camisola na direção de árbitro fazendo diversas ameaças; admitiu que teve confusões com todos os treinadores (mesmo em Bari), a Spalletti, que foi seu treinador na Roma, disse que quem mandava na Roma era ele e não o treinador; a polêmica com jogadores homossexuais, Cassano, durante o Euro 2012, disse mesmo que esperava não ter nenhum homossexual no balneário da seleção…

Mesmo com todos estes problemas, o irreverente avançado será sempre lembrado: tanto pelos momentos dentro dos relvados como fora dele. O que é certo é que o futebol perdeu um dos últimos bad boys do futebol. Cassano jogou 417 jogos em toda a sua carreira de clubes marcou 115 golos e realizou 95 assistências. Simplesmente Antonio Cassano, o Fantantonio que não quis ser fantástico.

Flat Earth FC, o primeiro clube do mundo que acredita que a terra é plana

01.02.20, Terceiro Tempo

Em 1969 foi criado, em Espanha, na região comunitária de Madrid, o clube CDC Comercial que se tornou federado apenas em 1983 sendo uma espécie de equipa de reservas de um outro clube da cidade, o RDC Carabanchel. Sem ter grande protagonismo, já no ano de 2016, o clube é reformulado e vê o seu nome trocado para Móstoles Balompié. Esta reformulação valeu, nos primeiros três anos, duas subidas de divisão estando o clube na Tercera Division. Em 2019, o clube sofre nova reformulação, um novo presidente convicto que a terra é plana e renomeia o nome do clube para Flat Earth FC.

Quem diria que em pleno século XXI ainda existem dúvidas que a terra não é "redonda"? Foram várias as celebridades que se fizeram ouvir sobre esta questão, desde o mundo do desporto, à música, etc. Há gente que acredita nisto. E há gente que acredita que a Terra é plana, um formato em que o Ártico é o centro e a Antártica forma uma parede de gelo em redor do planeta. Chamam-se terraplanistas e, à falta de estimativas credíveis, não parecem ser assim tão poucos, a julgar pelo que se vê nas redes sociais.

A pessoa que falamos hoje é de Javier Poves. Poves nasceu em Madrid, em 1986 e desde então sempre praticou futebol, muito por influência do seu pai. Estava decidido a ser defesa, passou pelas formações do Atlético de Madrid e do Rayo Vallecano. Sem oportunidades dos clubes de primeira divisão espanhola, o defesa andou por clubes de menor expressão do seu país até se estabilizar ao serviço do Sporting de Gijón começando o seu percurso da equipa B em 2008, tinha na altura 22 anos. Fez mais de 60 jogos em dois anos na equipa B do Gijón e era visto pelos dirigentes como um jogador que poderia dar o salto para a primeira equipa e isso aconteceu, na temporada de 2010/11, Javi Poves teve a oportunidade de se estrear na La Liga com a camisola do Sporting de Gijon frente ao Hércules, no último jogo da temporada que terminou empatado.

Era a prova que os dirigentes do clube das Astúrias contavam com ele. O problema é que Javi Poves era um chicho diferente dos demais. O seu treinador no Gijón, Manolo Preciado tinha admitido que Poves «é bom rapaz mas tem uma grande pancada». Isto porque durante a sua estadia no Gijón sempre foi conhecido por recusar usar uma conta bancária e devolveu um carro que o clube tinha oferecido a todos os jogadores do plantel principal. Um mês após a estreia na La Liga, a principal competição de Espanha, Javi Poves anuncia a sua retirada dos relvados aos 24 anos dizendo que a sua família não viu com bons olhos a sua retirada «para o meu pai foi difícil, porque gosta muito de futebol e sacrificou-se muito para andar comigo de campo em campo. A minha mãe e a minha irmã choraram, a minha avó pede-me para ficar».

O verdadeiro motivo para a ter terminado a carreira? A explicação do próprio jogador:

Quanto mais conheces o futebol, mais te dás conta de que tudo é dinheiro, de que está podre, e isso tira-te o entusiasmo. Não quero viver prostituído, como 99% das pessoas. Se não posso ter uma vida limpa em Espanha, tê-la-ei na Birmânia ou onde for!

Javi Poves, no momento da sua retirada dos relvados

O plano do jogador? Viajar pelo mundo. E desligar-se completamente do mundo do futebol. Os três anos seguintes foram de loucura, o jogador passou por mais de 30 países conhecendo diversas culturas, dormindo muitas vezes ao relento e até apanhando algumas doenças, inclusive a malária numa viagem que fez ao Senegal. Depois das muitas viagens realizadas, Javi Poves regressa à sua Espanha e à procura de estabilidade, isto porque a mulher engravidou e o jogador tinha o objetivo de abrir um café e voltar ao relvados. Sem antes dar uma declaração sentida no seu regresso:

Foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Estive em alguns dos países mais pobres, conheci a crueza da realidade e tornei-me mais humano. Curei-me da malária sem medicação e também da estupidez em que vivemos instalados. O dinheiro que ganhava na Liga era corrupto. O mundo do futebol idiotiza-te. Sempre gostei do futebol como jogo. Só odeio aquilo que o rodeia. Dá nojo ver tanta corrupção. A FIFA deixa que morra gente na construção de estádios no Qatar. Quando estive no Brasil fiquei impressionado, nunca tinha visto tamanha desigualdade

Javi Poves, no regresso a Espanha

No ano de 2014, com o jogador de regresso a Espanha, resolve voltar ao relvados e o clube que abriu as portas ao jogador foi o San Sebastián Reyes, da terceira divisão. Javi largou o combustível, deslocava-se para os treinos do clube de bicicleta e recordando que o futebol da terceira divisão era «o futebol em estado mais puro. Que faz recordar a infância». Ficaria duas temporadas no clube até se transferir para o clube que faz eco a esta nossa publicação: o Móstoles Balompié. Foi ao serviço do Móstoles que Javi teve mais uma das suas "pancadas" e resolveu tornar-se presidente do clube e reformular por completo a identidade do Móstoles Balompié: mudou as cores do clube, o estádio e nome do clube para, Flat Earth FC que, em belo português significa Terra Plana FC.

O jogador é um acérrimo defensor da teoria que a terra é plana: «Somos um clube profissional de futebol que disputa a Tercera Division de Espanha. Este clube foi criado com o objetivo de unir a voz de todos os terra planistas que estão à procura de respostas. Todos os clubes estão ligados a uma nação e a uma cidade. Mas o Flat Earth Football Club, é o primeiro clube onde os seus seguidores estão unidos através de algo mais importante, uma ideia», afirmou Javi na apresentação do novo clube.

Numa entrevista mais séria, ao jornal espanhol AS, o antigo jogador e agora presidente diz mesmo que a ideia é passar a mensagem que a terra é plana e usa o futebol como desculpa para isso: «A teoria de que a Terra é plana já domino há anos. Expliquei-a no YouTube. Considero uma prioridade da minha vida, saber a verdadeira forma da Terra [...] o futebol é, única e exclusivamente, uma ferramenta para transmitir uma mensagem. O futebol é a desculpa».

O clube tem vindo a ampliar a sua base de adeptos, enquanto que a direção espalha a palavra da inusitada teoria. A cada fim-de-semana o Flat Earth FC procura conseguir uma vitória contra uma equipa heliocêntrica e mundana. Tendo inclusive ganho o último jogo, no dia 26 de janeiro, por 2-1 contra o Pozuelo. Neste momento, o clube está literalmente a meio da tabela (décimo classificado num total de vinte equipas).

Mesmo que o desejo de Javi Poves seja apenas passar uma ideia e difundi-la pelo mundo através do desporto mais popular do mundo, o que é certo é pouco a pouco o clube parece ter bases para se sustentar e quem sabe, daqui a alguns anos, estar nos principais escalões do futebol espanhol. É algo que Poves sonha: «derrotar o Real Madrid em pleno Bernabéu seria espetacular».